Um Fenómeno Chamado Adele

Aproveitando a passagem de Adele, por Portugal para dois concertos na Meo Arena, decidi reflectir um pouco sobre o fenómeno em torno da cantora britânica.

Adele Laurie Blue Adkins, nasceu em 1988 no bairro de Tottenham, Londres. Aos dois anos de idade o seu pai saiu de casa, por volta dos 4 anos começou a cantar, aos 11 mudou-se com sua mãe para West Norwood (no sul de Londres), após passagens por Brighton e Brixton.  Aos 16 anos escreveu e compôs aquele que viria a ser o seu primeiro sucesso “Hometown Glory”, licenciou-se em Artes Performativas e foi colega de Leona Lewis e Jessie J. Em 2006 gravou uma demo com três canções para um projecto escolar, ofereceu-as posteriormente a um amigo, que as “postou”, no Myspace, tendo alcançado um sucesso inesperado, que chamou a atenção de Richard Russell, proprietário da editora independente XL Recordings.

Richard telefonou-lhe mas ela duvidou da veracidade de tal contacto, por desconhecer a referida editora. Posteriormente encontrou-se com um representante da editora que a aconselhou a ser agenciada por Jonathan Dickins (fundador da agência September Management) e que já agenciou nomes como Jack Peñate e Jamie T.  Em Setembro de 2006 assinou contrato com a XL Recordings, e a ascensão meteórica estava a começar.

Logo da XL Recordings
Logo da XL Recordings

Em 2007 fez a sua estreia televisiva e logo no programa de Jools Holland, nesse mesmo ano grava “Hometown Glory”, no ano seguinte tem o prazer de ter Damien Rice a abrir os seus concertos acústicos e foi eleita a artista mais promissora nesse mesmo ano (Sound Of 2008), prestigiado reconhecimento atribuído por críticos e personalidades da indústria musical em parceria com a rádio BBC. Só para terem noção, esse reconhecimento já foi atribuído a nomes como Keane, The Bravery, Little Boots, Michael Kiwanuka, Sam Smith, Haim, Years &Years e este ano ao brilhante Jack Garratt.

Em Janeiro de 2008 edita o seu debut19, alusivo à idade que tinha quando compôs a maioria das canções do álbum. Nesse disco encontravam-se grandes temas como “Chasing Pavements” e a cover “Make You Feel My Love”, a partir de um original do enorme Bob Dylan. Estima-se que terá vendido aproximadamente 10 milhões de cópias a nível mundial. Em 2011 editou o seu segundo registo 21, tendo alcançado o sucesso global, com mais de 30 milhões de discos vendidos, cinco singles apresentados e diversos Grammys (entre eles o de “Melhor Álbum do Ano”).

Após um interregno de quatro anos lançou 25 em 2015, que já vendeu aproximadamente 20 milhões de cópias e foi o disco mais vendido do ano passado. Entre os diversos galardões que já arrecadou destacam-se 10 Grammys, 1 Globo de Ouro e 1 Óscar (com o tema “Skyfall”, da banda sonora do mais recente filme de 007). Após esta introdução surge a questão, mas afinal o que tem Adele?

Antes de mais é importante referir que em quase 10 anos de carreira, editou apenas três discos e efectuou três digressões (a última encontra-se a decorrer). É impossível dissociar a editora XL Recordings do sucesso que Adele alcançou, não nos podemos esquecer que se trata de uma editora independente. Fundada em 1989, por Richard Russell, inicialmente dirigia-se predominantemente à música electrónica, no entanto no início da década de 90 Russell enquanto visionário da música decidiu começar a apostar em artistas diferentes que segundo ele possuíam algo de original e inovador, assim em 1994 lançou o segundo disco dos The Prodigy que alcançou um sucesso assinalável.  Entre as suas descobertas/apostas musicais encontram-se os nomes de M.I.A, The xx, Friendly Fires, The Horrors e The White Stripes. Actualmente conta no seu cardápio com artistas como Radiohead e Thom Yorke,  Ibeyi, Jack White, Lapsley, Vampire Weekend, Ratatat e Sigur Rós, entre outros.

Richard Russell, é um produtor de crédito firmados, que em certa medida revolucionou a indústria da música, transportando a música e os músicos inovadores para o “mainstream”, a XL Recordings compete a nível de vendas com editoras major como a Sony e a EMI, no entanto por ano editam muito pouco discos comparativamente com essas mesmas editoras. Recebem habitualmente mais de 200.000 demos por ano e assinam aproximadamente com um/dois artistas por ano, é preciso coragem para fazer isso e mais que tudo é preciso acreditar em si próprio, tal como o próprio defende “é uma filosofia anti-negócio”.

Adele
Adele

O foco da XL Recordings está no próprio artista, e recusam-se a assinar contrato mesmo com aqueles que acreditam que vão ter sucesso, se não gostarem da sua sonoridade. Cada single que é lançado tem sempre o aval do próprio artista, a sua única preocupação é colocar bons discos no mercado. A XL Recordings não assina só com os artistas, mas com as pessoas que se encontram por trás da “máscara” de artista, ou seja procuram pessoas que saibam o querem, o que pretendem da música e que tipo de música querem realizar e é neste contexto que se insere Adele, dona de uma personalidade forte, e que sabe perfeitamente aquilo que pretende da sua música: sinceridade, honestidade e que reflita as suas próprias vivências. Será que alguém acredita que seria possível nalguma editora major, Adele nunca ter actuado num festival? Ou ter apenas editado três discos em quase uma década? Claro que não, mas é o que ela decidiu e Russell respeitou e só fez crescer ainda mais a admiração que ele sente por Adele, simplesmente porque sabe claramente o que quer.

No entanto, além da enorme influência da XL Recordings, Adele tem um mérito inerente a si própria enquanto artista: possui uma voz impressionante, aveludada, recheada de soul e repleta de sentimento e possui ainda um alcance vocal incrível. Ao vivo é genuína, espontânea, por vezes desajeitada, tem um corpo que foge do padrão dito normal, as músicas são tristes e deprimentes mas a sua postura é alegre e divertida, a sua beleza é indiscutível, suas gargalhadas contagiantes, o seu sorriso luminoso, o seu olhar sincero e os palavrões que profere apenas lhe atribuem um encanto maior. Na Meo Arena apresentou-se num palco sóbrio, simples, provando que não são necessários grandes artefactos para proporcionar um grande concerto, a simplicidade tem um encanto à parte.

Não me posso esquecer de referir que Adele consegue tudo isto praticamente sem publicidade e sem marketing, quando comparada com outros artistas. Por exemplo esta digressão foi anunciada apenas três meses antes de se iniciar, com um simples vídeo partilhado na internet sem aviso prévio e no entanto os bilhetes esgotaram poucas horas após serem colocados à venda.

Adele, no fundo é uma mulher comum igual a todas as que conhecemos com qualidades e defeitos, a única diferença é que possui uma voz admirável. As suas músicas são lamechas, é um facto, mas também é certo que a história da música seria muito mais pobre se não houvessem desgostos de amor…

No mesmo dia em que estou a escrever este artigo, é notícia que supostamente Adele acaba de assinar contrato com a Sony Music por 116 milhões de euros, tornando-se um dos maiores contratos de sempre e o maior se apenas considerarmos artistas britânicos. Deixo uma dúvida no ar: continuará ela a manter a mesma qualidade e liberdade musical? Conseguirá ela continuar a não actuar em festivais? Será possível lançar apenas um álbum a cada três/quatro anos? A criatividade da artista será respeitada? Estas respostas serão respondidas num futuro próximo.

Regresso no próximo mês, até lá não se esqueçam de ouvir boa música.