Caos em África: França no Mali – Francisco Duarte

Homens velhos declaram guerra porque falharam em resolver problemas sociais e económicos complexos.”

Arthur Hoppe

 

A presença militar francesa no Norte de África não é uma coisa nova, nem tão-pouco inocente. Apesar de as acções no Mali das últimas semanas terem levantado grande atenção internacional, fazem apenas parte de uma longa história das tendências interventivas de França na região e que são indissociáveis da história do país.

No Século XVII era criada a Compagnie de l’Ocident que estabelecia a presença desse poder europeu no actual Senegal. Nesse mesmo século seriam estabelecidas fortes presenças em Madagáscar. Mas tarde a competição directa entre franceses, britânicos e portugueses levaria a uma corrida pelo território e à anexação de imensas parcelas de terreno. As fronteiras entre estas áreas de ocupação colonial seriam mais tarde utilizadas para estabelecer as futuras nações africanas, levando consigo os problemas de fragmentação étnica e história das populações que se viam forçadas a saltar de sebe em sebe, por assim dizer.

Após a Segunda Guerra Mundial veio a descolonização. Como todas as outras potências grandemente investidas na ocupação de terras ultramarinas, a União Francesa de Charles de Gaulle acabou por se ver envolvida em amargas guerras contra forças independentistas.

No caso africano deram-se conflitos em Madagáscar e nos Camarões. Mas seria o conflito generalizado e ultimamente desesperado na Argélia (iniciado logo depois da derrota no distante Vietname em1954) que daria o golpe final do domínio colonial directo francês em África. Seriam eventualmente feitos referendos que garantiriam a independência das antigas colónias, mas esse não seria o final da história.

Após 1980 França manteria bases permanentes em diversos países africanos que se mantiveram sobre a sua alçada, sendo as principais localizadas no Chade e na Burkina Faso. Mais ainda, a conhecida Legião Estrangeira e a Força Aérea manter-se-iam as pontas de lança das forças armadas, prontas para intervir sempre que a necessidade surgiu. A potência europeia manteria um laço forte com várias das suas colónias.

No Mali, 2013

Assim sendo, é evidente que a recente intervenção não surgiu no vazio, mas antes tem uma história por trás e fortes motivações político-económicas por diante.

Antes de mais convém, de facto, afirmar que ter uma organização terrorista a controlar um território no Norte de África representaria uma ameaça aos interesses e segurança europeus. Um infeliz facto provado pelo ataque à refinaria de Aménas. As forças da al-Qaeda e seus aliados tentavam redistribuir os seus esforços e tentar algum tipo de controlo nestas regiões mais enfraquecidas. Mais ainda, receberam importantes reforços vindos da Líbia. Portanto, da prespectiva Europeia, era necessário intervir. O caso, contudo, é que tal intervenção poderá resultar numa longa guerra, de que os aliados de França se resolveram abster apesar dos apoios logísticos.

A acção, contudo, vai ajudar certamente a solidificar a presença francesa na região, que estava num certo impasse. Isto certamente que permitirá aos interesses franceses um maior acesso ao petróleo e outros recursos minerais da região, como o ouro. Nunca nos esqueçamos que a guerra tem uma base económica e claramente que nunca é feita sem interesses por trás.

Basicamente, se a aventura francesa for bem-sucedida, como parece estar a ser, então garantirá a esse país um acesso privilegiado a alguns dos bem mais procurados do mundo.

O caça da discórdia

Para além desta questão por demais evidente também uma outra que se bem que de carácter secundário em relação ao que já foi referido, também merece ser referido. Essa é a questão Rafale.

A Dassault é a maior empresa aeronáutica francesa e é responsável pela produção de alguns dos caças de maior sucesso da história. O Mirage III está na lista dos mais fabricados e os Mirage F1 e 2000 também foram bem aceites no mercado internacional, sendo ainda usados por algumas das melhores forças aéreas do mundo. Com este pedigree em mente, o governo e a indústria francesa investiram imenso num projecto novo nos anos 80 e 90. Originalmente França era parte do consórcio europeu que criou o extraordinário caça Eurofighter Typhoon, mas depois de alguns desacordos foi decidido que desenvolveria a sua própria aeronave.

O resultado foi o Rafale. Um caça complexo e sofisticado, representou uma aposta arriscada e esperava-se que conseguisse um sucesso de vendas similar ao dos antecessores da série Mirage. Mas isso não sucedeu. Durante muito tempo apenas as forças armadas francesas estavam comprometidas com a aeronave, até que a Índia finalmente assinou um acordo substancial no ano passado.

Ainda assim é um sucesso que veio tarde e o Rafale é neste momento uma aeronave cara e que necessita de dar provas para se vender. Daí o seu forte uso pelos franceses em diversas campanhas, como o Afeganistão, a Líbia e agora o Mali, onde o Rafale está a ser extensivamente utilizado apesar de se teorizar que o Mirage 2000D faria o mesmo trabalho por uma fração dos custos operacionais.

Não obstante, o avião francês continua a perder contratos para o rival Typhoon, já utilizado por seis países e com mais clientes em vista.

As apostas francesas no Mali são elevadas, e apesar de tudo parecer estar a correr bem para François Hollande para já, apenas o futuro poderá dizer quais a consequência finais.

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso