Cinco meses, uma semana e três dias“ – 2ª parte final

(Continuação)

Combinaram encontrar-se às sete. Parecia uma excelente hora para quem no estado de nervos dele não tinha almoçado e tão tarde já devia estar esfomeado. Inês chegou antecipadamente um quarto de hora, ele é que já estava há mais tempo no restaurante, há tanto que se tivessem perdido tempo a conversar com ele, certamente teria ficado a conhecer ao detalhe a vida de cada empregado.

Quando assomou à porta ladeada pelo garçon, Inês estava deslumbrante, o que fez recair nela a atenção dos homens que esperavam desacompanhados, de súbito cada qual animado pela esperança de que ela pudesse escolhê-lo para ir sentar -se ao seu lado.

Viu Paulo Jorge ao balcão e acenou-lhe a sorrir. Na mão segurava um telemóvel de grande dimensão, como uma moldura onde viesse uma fotografia sua de corpo inteiro. Apressou-se a despedir do empregado, que virou costas satisfeito como se por causa dele já tivesse valido a pena ela lá ter ido, e de seguida foi cumprimentar Paulo Jorge que já se levantara preparando-se para segui-la no caso de, por alguma razão, a amiga se ter arrependido e pensado em voltar a casa.

Vestia umas calças de ganga a estrear, mas descosidas nos bolsos e desfareladas na bainha como as que nas lojas de roupa em segunda-mão se vendiam ao preço das novas. Pendurava a blusa por fora das calças e no blusão uma fileira de lantejoulas dava-lhe o ar primaveril da estação do ano em que pedia para sair do roupeiro e ser posto a uso. Chegou de cabelo apanhado num carrapito que lhe dava a aparência duma bailarina em palco durante uma audição para uma peça, e chamava a atenção do amigo, nuns sapatos de salto alto em que deslizava como se tivesse asas. Soava ao encadeamento de notas numa partitura, o som da sua voz doce que entrava ouvidos adentro de Paulo Jorge como o anúncio de que aquela seria a primeira de muitas noites.

De entrada, pediram para cada um, uma taça de vinho branco fresco, que não descansaram enquanto não beberam, ela para disfarçar a fome e ele para disfarçar a sede de puxá-la e dar-lhe um beijo. Saíram do bar e escolheram sentar-se numa mesa perto do piano, de tampa fechada, em cima do qual repousavam os restos mortais duma velha guitarra que remontava ao tempo em que ali ao fim-de-semana era habitual haver uma banda de quatros músicos a tocar. Paulo Jorge não evitou pensar como seria tê-la nos braços e embalá-la ao compasso duma melodia que ecoaria como se fosse tocada por uma orquestra.

Lá fora, uma brisa mal enxugava o suor no rosto dos transeuntes, enquanto o sol espraiava no horizonte e dava razão a quem saíra de casa sem casaco adivinhando que, agora que os dias cresciam, a noite ia ser quente. Entre Inês e Paulo Jorge, havia um sem-número de assuntos para pôr em dia, mas ele focou a reação no rosto dela e não se preocupou senão em saber se continuava casada. Sem mais nem menos, era como se quisesse vislumbrar, numa janela de oportunidade, uma porta aberta por onde pudesse entrar. Inês respondeu que sim, e de imediato sorriu em silêncio, como quem sugere que em jeito de conclusão da frase ele deveria felicitá-la dizendo que ficava contente por vê-la feliz.

Continuou morna a conversa. Paulo Jorge falou do projetos que tinha em mãos, dos empregos que tinha tido e do que fazia agora, um trabalho de investigação tão absorvente que lhe tomava mais tempo do que se tivesse uma amante. Inês era uma mulher de riso fácil e não conteve uma gargalhada, mas pensou que, embora Paulo Jorge toda a vida revelasse talento para o humor, nem sempre todas as suas piadas eram tão engraçadas que valessem a pena repetir.

Enquanto ele falava, Inês observou-o com mais atenção e rapidamente descobriu um homem diferente daquele que conhecia, mais maduro certamente, mas que ainda assim não tomava o peso às palavras, embora pudesse estar atento ao que dizia, não chegasse ela à conclusão de que marcara aquele encontro às cegas para ver se, nalgum lado, terminava com ela a noite às apalpadelas.

Quando o empregado trouxe a ementa, a nenhum dos dois apeteceu comida pesada. Paulo Jorge satisfez-se com uma posta de salmão grelhado guarnecido de brócolos; e Inês pediu uma salada que nunca comia à noite carne, nem peixe que considerava indigestos. Com a comida, veio a bebida: uma garrafa de vinho em cujo rótulo se lia que era proveniente de castas do Alentejo, uma terra aonde quem passa se surpreende com o número exagerado de vinhas que se avista em toda a parte, muito superior ao de lisboetas que, aproveitando o calor, na Páscoa dão uma escapadinha ao Algarve e na segunda-feira não apetece voltar ao trabalho.

Passaram a primeira hora em amena cavaqueira e depois duas e por fim três. Paulo Jorge ganhou coragem e convidou-a para saírem dali, à procura dum bar aonde, no meio de outros casais, não daria tanto nas vistas como naquele lugar, uma tentativa de beijá-la nem que fosse no rosto.

Lá fora, o vento que aumentara de intensidade, quase derrubara um toldo, provocando pânico num grupo de jovens que se divertia na esplanada. Em companhia das estrelas, era como se a lua estivesse ao centro da galáxia que elas orbitavam, enquanto a ausência de buzinadelas deixava a cidade dormir. Mas havia de ser por poucas horas, até se ouvir o cumprimento alegre de quem sai de casa cedo, à espera de encontrar na rua um caminho de estrelas que percorre sem ser à noitinha.

FIM