Cinco meses, uma semana e três dias – 1ª parte

Cinco meses, uma semana e três dias: a contar desde o início da pandemia, era o tempo que faltava para o aguardado reencontro de Paulo Jorge com a amiga Inês, com cada dia que passava a ser assinalado no calendário, como se acreditasse que do ritual de assistir à contagem das horas, minutos e segundos, ainda viesse a nascer a ideia duma fórmula mágica que permitisse fazê-las passar mais depressa.

Adormeceu no sofá, aninhado da cabeça aos pés numa coberta e só acordou com uma cotovelada da esposa que o fez rugir de má disposição, como se tivesse percebido que era inútil tentar, porque, por mais que quisesse, não conseguiria voltar àquela parte do sonho em que dormia na companhia doutra mulher, pelos vistos mais meiga e agradável do que aquela. E essa mulher bem podia ser Inês, bela e sensual, embora noutra ocasião e inspirado nela, tivesse composto um soneto em que não deixava de elogiar o facto de ter outras amigas bonitas.

Nem o som da televisão mais alto, durante um debate transmitido entre adeptos de dois clubes, o manteve acordado nem que fosse pelo facto de estar curioso em saber se não seria mais amistoso o relacionamento entre os representantes dos clubes que viessem a seguir.

Na companhia de Inês, passou algum tempo. Num gabinete de contabilidade, partilharam o escritório durante um ano, e durante esse período de pouco mais falaram que não fosse de trabalho ou do estado do tempo que fazia ou do que gostariam que fizesse numas férias idílicas, para ele passadas na companhia dela, mas para Inês jamais com quem lembrasse só de olhar que findo aquele período teria de voltar ao trabalho. Entre tanto que podiam falar, um tema dominava o pensamento de Paulo Jorge, que há muito tinha vontade de lhe confessar que a amava. Não o fazia por ser tímido, muito menos por ela ser casada, apesar de por parte de alguns colegas Inês não se livrar, amiúde, de escutar o que fariam trancados num quarto, se uma noite viessem a deitar-se consigo no lugar do marido.

Dir-se-ia, à primeira vista, que não apresentavam nada em comum. Ele era alto, ela baixa; ele careca, ela ruiva; e na defesa de diferentes pontos de vista, portavam-se como fervorosos adeptos de bancada, esgrimindo argumentos como se, do futebol à gastronomia, quisessem provar saber mais do que o outro.

Inês usava óculos de baixa graduação, mas nem assim via que da parte de Paulo Jorge era alvo duma atenção que só recebe uma mulher que está á beira de ser pedida em casamento. Em todo o lado aonde ela ia, ele ia atrás e às vezes gostava de ficar a vê-la a trabalhar à distância, como se o surpreendesse o facto de, sem ter a sua ajuda direta, ela conseguir furar e arquivar os documentos na pasta correta.

Paulo Jorge casara jovem, ela também, a dias de completar os dezanove anos, numa cerimónia sem muitos convidados na Igreja, passando a ostentar uma anilha, símbolo de com quantos parceiros poderia vir a relacionar-se, independentemente do número de pretendentes que viesse a coleccionar ao longo da vida. O primeiro foi aos catorze anos, no oitavo ano, também Paulo, mas José em vez de Jorge e alto em vez de baixo. Bonito em vez de nem uma coisa nem outra e, por isso tão disputado pelas colegas como o enunciado duma prova de matemática na véspera do exame, e também bem-educado mas menos formal, tão menos formal que era visto como um clássico, mas o estilo clássico dum namoradeiro, totalmente o oposto do género sobre quem recairia a escolha dum irmão protector. Se ela o tivesse, certamente rondaria a idade de Paulo Jorge e seria natural conhecê-lo.

Por essa altura, andava Paulo Jorge na rua de calções a jogar ao berlinde e não é que fosse afortunado, mas quase sempre diante de adversários mais fracos, acabava por ganhar e isso valeu-lhe a alcunha do Vaquinha, porque dos sortudos dizia-se que tinham vaca e mesmo que vencesse com mérito, devia-se à sorte de àquela hora os que melhor jogavam estarem em casa entretidos a fazer outra coisa.

Como tinha sorte ao jogo, quis o destino que à primeira tentativa dum namoro levado a sério, embarcasse numa aventura e casasse com a irmã dum colega de Faculdade. Por ser bonita, como era romântico apaixonou-se por ela de imediato, e devotou-lhe uma total atenção, como se fosse em sinal de agradecimento àquela professora que, não percebendo nada da matéria, o passava com boa nota e no final do curso ainda lhe dava uma mãozinha na tese de mestrado. Contudo, o que daria mote para uma tese de doutoramento, seria a vã tentativa de explicar o motivo de entre ele e a esposa a relação ter esfriado, passado pouco tempo quase se ter apagado a chama de um amor, que nasceu inspirado no ideal fraterno da igualdade de direitos mas que a ambos restringia a liberdade de procurar noutro parceiro a satisfação das suas necessidades.

A mais premente, que era sentir de novo o peito palpitar, surgiu quando retomou o contacto com Inês, uma antiga colega e amiga que o fez querer arremessar pró alto algumas das preocupações e entregar-se-lhe da forma como faz um homem, quando quer que nasça uma relação inspirada no ideal fraterno de em condições de igualdade terem e outro a liberdade de se amar. No seu caso, tanto melhor se fosse com a ex-colega. Sempre se conheciam, sempre confiara nela e, beneficiando duma simpatia mútua, sempre seria mais fácil chegarem a um entendimento, aceitando ela o pedido de desculpas por admitir que, vencendo a timidez, muito antes do início da pandemia ele devia ter tomado a iniciativa de meter conversa e convidá-la, nem que fosse simplesmente para tomar um café.

Agora, tão próximo do esperado reencontro, a estratégia dele passava por que ela acreditasse em que podia ser doce o sabor da redescoberta ligada aos sentidos, inspirada na ideia de terem ainda vinte anos e toda uma vida ainda pela frente.

(…)

É o que ficaremos a saber em breve, seguramente em menos de cinco meses, uma semana e três dias.