Uma espécie de milagre de Natal

Todos os anos eram iguais. Todos os anos, elas sofriam o mesmo desgosto. Passavam o ano inteiro fechadas dentro de caixas a ganhar pó, para depois serem retiradas e colocadas na montra da loja para os clientes passarem, verem, e possivelmente as levar para casa. Mas todos os anos elas ficavam a ver os clientes passarem, olharem, comentarem a hipótese de as adquirir, mas nunca eram escolhidas. E no final do ano lá voltavam elas para dentro das respectivas caixas, e iam para um cantinho do armazém da loja à espera, pacientemente, que o ano passasse.

“Bom, cá vamos nós para mais uma semana de tristeza…”, disse Agripina. A loja estava apinhada de clientes num frenesim infernal nas compras loucas de Natal.

“E lá andam eles… Parecem formigas famintas à procura das prendas de Natal. Sabes, Agripina, isto já enjoa. Estou farta disto. Todos os anos a mesma coisa. Esta rotina já me tira do sério. Estou a ficar velha para isto!”, disse Natércia.

Um cliente aproximou-se das duas árvores de Natal, e ficou largos segundos a olhar fixamente para as duas, como se estivesse a decidir qual das duas ele iria levar.

“Será que…”, disse Agripina.

“Tu queres ver que é desta?”, acrescentou Natércia.

O cliente ficou mais alguns segundos a olhar para as duas árvores de Natal, coçou a pequena penugem de barba que possuía no queixo, virou costas e foi à sua vida, desaparecendo da vista das duas árvores por entre a multidão de pessoas que preenchiam a loja e corriam de um lado para outro de tal forma, que até provocavam tonturas.

“Oh, eu já devia prever isto… Todos os anos é a mesmíssima coisa!”, disse Agripina.

Natércia limitou-se a concordar com a sua companheira de montra, acenando com um ramo.

O dia ia passando. As pessoas entravam e saíam da loja a uma velocidade estonteante. Como se estivessem a lutar pela vida ou então como se o mundo estivesse prestes a explodir e elas só tivessem algumas horas de vida. Vários clientes passavam por elas. Vários paravam para olhar, para mexer, ou mesmo para simplesmente comentar que se tratavam de árvores muito velhas e que já ninguém ia pegar nelas.

“Estas estão aqui para apodrecer, é o que é!”, disse uma das pessoas.

As duas árvores começavam a ficar cada vez mais amarguradas por nunca ninguém as escolher. Parecia mentira como se tinham passado tantos anos e elas continuavam ali, ano após ano, sem saírem daquela horrível montra ­– saindo apenas para voltarem para dentro das suas respectivas caixas para serem arrumadas naquele armazém frio e húmido. Nem o espírito natalício as conseguia animar.

Passaram-se vários dias, e a história repetia-se sucessivamente. Ninguém pegava nas duas árvores de Natal. E sempre que um cliente chegava perto delas e parava alguns segundos a observá-las, acabava sempre por despertar alguma esperança nas duas amigas, mas rapidamente essa mesma esperança se esvoaçava porque o cliente acabava por optar não comprar nenhuma das duas.

“Estou farta disto! Eu já não aguento mais! Ao menos que alguém nos leve daqui e nos atire para dentro de um contentor do lixo. Eu já não consigo viver mais assim!”, disse Agripina.

“Calma! “, disse Natércia

“Como calma?! Como é que queres que eu tenha calma! Eu estou enjoada de viver assim! Como é que me podes pedir para ter calma, quando isto acontece todos os anos! Estou saturada, Natércia! Saturada!”, disse Agripina.

“Eu sei disso. Eu também estou saturada de viver assim. Mas algo me diz que este ano as coisas vão ser diferentes. Algo me diz que vamos sair daqui e vamos enfeitar a casa de alguém.”, disse Natércia.

“Como é que podes ter tanta certeza?! Todos os anos dizes a mesma coisa. E depois nunca dá em nada. Ficamos sempre aqui a apodrecer.”, disse Agripina.

“Não sei. Mas tenho um pressentimento… Acho que este ano é que é o ano…”, respondeu Natércia.

Nisto, outro cliente parava a observar as duas árvores por breves segundos e seguia a sua vida, deixando as duas amigas à beira da depressão.

“Ok, vamos acreditar nesse teu pressentimento. Há aqui um pormenor que te deves estar a esquecer.”, disse Agripina.

“Qual?”, respondeu Natércia.

“É que, se existir aqui a hipótese de o teu pressentimento estar correcto, é mais provável que tu tenhas mais sorte do que eu.”, disse Agripina.

“Por que raio dizes isso?”, disse Natércia.

“Porque tu és uma árvore branca, e eu sou apenas uma velha e já gasta árvore verde. Hoje em dia ninguém quer uma árvore como eu. Os tempos evoluíram. As pessoas agora querem árvores brancas”, disse Agripina.

“Oh, não sejas parva… Então se é assim, por que razão ainda ninguém me pegou? Estou aqui há anos e nunca ninguém quis levar-me para casa…”, disse Natércia.

“Talvez por estares sempre ao meu lado… As pessoas até devem querer levar-te para casa, mas depois olham para mim e pensam que, afinal, não precisam de uma árvore de natal. Eu sou uma desgraça, Natércia. Estou velha. Tenho os ramos todos gastos. Mal consigo manter-me hirta, e tu sabes bem que para ser uma boa árvore de Natal é necessário ser-se hirta, para poder suportar todos aqueles maravilhosos enfeites de natal durante vários dias. Eu já não consigo isso…”, disse Agripina.

As horas passavam-se e todas as pessoas paravam para olhar, mexer nos ramos, mas nunca optar por levar para casa uma das duas amigas. O que deixava a certeza que, uma vez mais, estavam prestes a serem encaixotadas e passar mais um ano encostadas a um canto daquele armazém horrível.

Mas, quando menos esperavam, algo de extraordinário aconteceu. A loja estava prestes a fechar portas, quando um senhor de idade irrompe pela loja a dentro, completamente desesperado. As duas amigas ficaram perplexas com a ansiedade e desespero que o senhor apresentava e apressaram-se a tentar descortinar o que se passava.

Observaram o dono da loja atender o senhor de idade, tentando acalmar o homem que se mostrava muito ansioso. Após alguns segundos à conversa, o senhor de idade e o dono da loja encaminharam-se em direcção às duas amigas. Elas não podiam acreditar no que estava a acontecer.

“Estas são as duas únicas árvores que temos em stock, senhor.”, disse o dono da loja.

“Ai sim? Só tem estas?!”, respondeu o senhor de idade.

“Sim, lamento, mas é só o que temos.”

As duas árvores estavam estáticas. Estavam num sofrimento horrível, sem saberem o que fazer. Será que seria mesmo naquele dia que iriam ser escolhidas para saírem daquela loja medonha.

“É pena só ter estas duas…”, disse o senhor de idade.

Agripina e Natércia estremeceram.

“Mas eu vou levá-las na mesma!”, disse o senhor de idade.

“Sim? Muito bem, vou tratar de ir buscar as caixas para as empacotar para si.”, respondeu o dono da loja.

Enquanto o dono da loja se prontificou a ir buscar as respectivas caixas, o senhor de idade ficou ali, imóvel, a olhar para as duas árvores.

“Obrigado! Obrigado! Estou tão feliz! Oh, como estou feliz! Vamos sair daqui, Natércia!”, disse Agripina.

“Sim! Vamos! Quer dizer… espero que sim… E se ele mudar de ideias à última da hora? O que fazemos à nossa vida, Agripina?!”, respondeu Natércia.

“Isso não vai acontecer…”, disse o senhor de idade.

As duas árvores nem queriam acreditar no que estavam a ouvir. Aquele homem de idade conseguia ouvi-las, e falar com elas.

“Mas… você consegue ouvir-nos?!”, disse Natércia.

“Sim, consigo. Mas é claro que consigo.”, respondeu o senhor de idade.

“Como é que isso é possível?”, interrogou Agripina.

O senhor de idade sorriu, e disse: “Meninas, eu chamo-me Pai Natal. Eu consigo comunicar com tudo e com todos. E, minhas caras amigas árvores de natal, chegou a vossa hora de sair daqui e irem enfeitar a casa de alguém… Eu tive um pequeno problema na minha missão de entregar prendas de natal, e acabei por estragar duas árvores de Natal quando desci da chaminé. Vai-se lá perceber a razão por que as pessoas costumam colocar as árvores de Natal junto às chaminés… O que vale é que vocês estão aqui. Assim vou conseguir repor as árvores sem ninguém dar conta de nada…”

As duas árvores entreolharam-se e sorriram, pois finalmente iriam sair dali e enfeitar uma casa.

“Muito obrigado, Pai Natal! Natércia, amiga, foi um prazer partilhar a tua companhia durante estes anos todos… Foste uma verdade amiga! Nunca te vou esquecer…”, disse Agripina.

“Igualmente, minha amiga. Nunca te vou esquecer…”, respondeu Natércia.

As duas árvores abraçaram-se, entrelaçando os ramos uns nos outros, por breves momentos, enquanto o Pai Natal sorria assistindo àquele momento ternurento entre as duas amigas.

Passados alguns breves minutos, as duas árvores estavam empacotadas nas suas respectivas caixas e estavam a abandonar aquela loja que tinha sido a sua casa durante aqueles anos.

E mesmo mais uma vez empacotadas em caixas, elas não estavam tristes ou deprimidas. Elas eram as árvores de Natal mais felizes do mundo…

 

Feliz Natal!