Fúria – “Os ideais são pacíficos, a História é violenta” (Review)

 

Este mês no Magazine +opinião trago um filme que estreou no dia 23 de Outubro em Portugal. Acompanhe-me pelos horrores e pelas emoções fortes da Segunda Guerra Mundial…

Fury-Poster

Titulo Original: Fury

Ano: 2014

Realizador: David Ayer

Produção: David Ayer, Bill Block, John Lesher, Ethan Smith

Argumento: David Ayer

Actores: Brad Pitt, Shia LaBeouf, Logan Lerman, Michael Peña, Jon Bernthal, Jason Isaacs

Musica: Steven Price

Género: Acção, Drama, Guerra

Ficha técnica completa em:

http://www.imdb.com/title/tt2713180/

 

Entrei numa sala de cinema para ver um filme de guerra qualquer com o Brad Pitt que tinha estreado naquela semana, simplesmente apelidado de Fúria. Sim, esta era a informação básica que tinha, juntamente com toda uma vasta lista de filmes de guerra considerados como verdadeiras masterpieces e que na minha mente traçavam barreiras do que é ou não um bom filme dentro do tema. Quando a fasquia que traçamos é elevada o perigo de desilusão é também ele critico. Mas o que será um bom filme de guerra? Talvez a questão seja complexa mas para mim pode ser resumida com uma equação relativamente simples. Quando colocado ao pé de clássicos como O Resgate do Soldado Ryan (1998) ou até Apocalypse Now (1979) são ofuscados? Conseguem manter alguma dignidade quando comparados com a elite? Conseguem mostrar algo de novo de forma a serem incomparáveis? Cada filme é diferente à sua maneira mas é inevitável que a comparação exista quando temos conhecimento vasto sobre um determinado tema.

Fúria é um título com um grande significado durante todo o filme. Nos meses finais da Segunda Guerra Mundial fúria é o que não falta quer do lado dos vencedores como dos vencidos. Do lado americano parece reinar a raiva colectiva contra o exército alemão, especialmente contra as SS ou melhor, as Schutzstaffel , a elite militar nazi. E é essa “fúria” que acompanhamos como audiência, especialmente a fúria vivida dentro do Fury, um tanque de guerra americano do modelo M4 Sherman. A história do filme ronda a sua tripulação num ambiente por vezes claustrofóbico que os acompanha, com alguns intervalos de relativa liberdade, do início ao fim. Cada personagem parece adicionar um certo grau de personalidade ao filme. O sargento “Wardaddy” Collier (Brad Pitt) é o líder da tripulação, uma personalidade fortalecida pela guerra mas também mais dedicada e responsável quanto ao seu papel na linha da frente. Funciona como um misto de líder e força moderadora mas também como professor, embora nem sempre a lição pareça estar moralmente certa. O resto da tripulação destaca-se pelo seu temperamento ou pelos seus ideais, “Bible” (Shia LaBeouf) é o elemento religioso que por vezes choca directamente com os horrores da guerra e com o desrespeito do resto da tripulação; “Gordo” (Michael Peña) embora por vezes insensível acaba por apresentar uma parte fraternal de compreensão; “Coon-Ass” Travis (Jon Bernthal) é talvez a personagem mais odiosa da companhia, a guerra parece tê-lo afectado de tal modo que desconhece qualquer tipo de emoção humana. Por último resta o recém-chegado á companhia, Norman (Logan Lerman), desajustado ao cenário de guerra e a tentar preencher um lugar vago pela morte de um dos membros da tripulação, é talvez a personagem com a qual nos podemos identificar com mais facilidade. Esta mistura de personalidades dentro de um veículo tão pequeno pode tornar-se um problema mas é também uma oportunidade para o desenvolvimento pessoal de cada uma numa visão única para a audiência. E desenvolvimento é o que não falta, com cada personagem a revelar-se um pouco mais a cada segundo do filme e em consequência por cada situação traumática ou passado revelado.

A trama do filme tem altos e baixos mas não deixa de ter o seu ritmo. É preciso destacar no entanto que o filme tem possivelmente uma das introduções mais espectaculares dos últimos anos. Essa primeira cena envolvendo um cavalo e uma desolação de metal e tanques e veículos destruídos traça na perfeição tudo o que se seguirá até ao fim. Não parece existir um lado bom na guerra, nem mesmo no exército americano que embora demonize as tropas alemães acaba por responder com a mesma brutalidade quando a ocasião se proporciona. É também no final que fica bem vincado que existem boas e más pessoas nos dois lados do conflito, algo que por vezes não fica claro quando a nossa visão apenas nos mostra um dos lados do conflito. Alguns críticos referem que este filme é mais um filme de uma longa lista de propaganda americana. Discordo, é uma história vista pelo lado dos vencedores mas no final do filme a questão fica: Quem é realmente o vencedor? A História diz-nos claro, mas existe uma carga espiritual no acto de vencer e também uma certa moralidade de que na guerra não há vencedores.

O rigor histórico de Fury é até certo ponto ofuscado de forma a canalizar a acção para as personagens, pouca informação específica é dada sobre o verdadeiro teatro de operações excepto através de alguns mapas ou informações aqui e ali. Sabemos o suficiente para ficar interessados no destino das personagens mas não o suficiente para traçar uma verdadeira conexão com a realidade. No entanto, em termos visuais Fury faz quase tudo certo, desde o guarda-roupa até ao funcionamento de um tanque. Existem preocupações reais quanto à escassez de munições e aos modelos certos como já foi referido pelo realizador, David Ayer em algumas entrevistas. É em plena batalha que as dúvidas da audiência e dos olhos mais críticos podem transparecer. É bem visível que quase todos os disparos e balas são efeitos de pós produção, e o excesso de cor que marca o trajecto das balas disparadas pode tornar muitas das cenas de batalha de Fury dignas de um filme de ficção científica em oposição do que realmente é, um filme sobre a Segunda Guerra Mundial. Este é um dos pontos fracos mais visíveis do filme, não tirando mérito a carga emocional e muitas destas cenas que têm um papel fulcral no filme.

Fury não é um filme para todos os gostos e pode impressionar as pessoas mais sensíveis, desde explosões a restos humanos existe o suficiente para chocar a plateia menos preparada, mas assim o filme o exigia pois um dos temas principais são os horrores da guerra e a sua marca nas personagens.

A excelente direcção e escolha de actores cria um ambiente de sinergia perfeito onde até o ás vezes discriminado Shia LaBeouf brilha na interpretação da sua personagem. Destaque enorme para Brad Pitt que consegue com enorme mestria criar uma personagem interessante que embora com uma moralidade por vezes questionável cresce com a audiência. Logan Lerman é possivelmente o mais novo do elenco mas adequa-se ao papel juntando mais um filme á sua ainda pequena carreira mas já com alguns êxitos interessantes. Sai um pouco do registo do cinema juvenil e traça aqui  um caminho para filmes mais sérios. Jon Bernthal parece cada vez mais associado a um papel específico de badass latino e por vezes é difícil perceber se não está a fazer mais uma vez o papel de Shane em The Walking Dead, no entanto, assim a sua personagem o exige.

Outro destaque cai na banda sonora, que embora não fique no ouvido durante todo o filme aparece com efeitos devastadores. Peças sonoras que envolvem um certo grau de coros mais obscuros, especialmente em cenário de guerra, deixam um certo arrepio na espinha sendo o exemplo mais evidente na introdução fenomenal que já referi.

Em suma, Fury é um filme com substancia que há muito não se via no género. É um filme que ultrapassa o tema da guerra entra dentro da mente dos envolvidos, quer dentro da acção como fora dela. Todas as cenas têm um propósito mesmo quando não é evidente. Destaque para a realização mas uma certa frustração nos efeitos de pós-produção que ferem o ambiente do filme nalgumas cenas criticas. Não oferece algo de novo ao género mas vence pela apropriação do melhor que este tem para oferecer dentro das suas barreiras temáticas e históricas com ficção relativamente credível.  Um dos melhores filmes de guerra dos últimos anos, e já tínhamos uma certa sede por algo que pudesse fazer-nos lembrar pela positiva de O Resgate do Soldado Ryan (1998) ou de um Platoon (1986).

Clube de Dallas e 12 Anos Escravo8.5

Volto no próximo mês com mais cinema…