Grim Dawn (PC Review)

Quando se fala em ARPG (Action role-playing games) e videojogos hack and slash existe um grande pilar que rege todo o controlo de qualidade do género: Diablo. O icónico jogo da Blizzard, e principalmente a sua segunda instalação Diablo II (2000), são considerados o grande exemplo do género com pouca concorrência que rivalize as suas dinâmicas e o seu loot. Na espera entre a expansão Diablo II: Lords of Destruction (2001) e Diablo III (2012) muita foi a oferta que tentou colmatar a espera, que se revelaria em parte inglória pois a terceira instalação da saga da Blizzard foi assombrada por um mau começo e criticada por se afastar demasiado do seu antecessor.

No entanto, nos 13 anos sem Diablo, muitos foram os títulos, que com orientações um pouco diferentes, foram trazendo inovações significativas, mesmo quando apenas chamados de clones do sucesso da Blizzard pela sua evidente inspiração. Os casos mais relevantes são sem dúvida as sagas de Sacred (2004-2008), Dungeon Siege (2002-2011), o fenómeno free-to-play Path to Exile (2013), e o mais importante para o jogo em análise, Titan Quest (2006), de onde provêem a maior parte dos membros que formaram a companhia responsável por Grim Dawn, a Crate Entertainment. 

Titan Quest apresentou há 10 anos um jogo relativamente original inspirado em mitologia grega, egípcia e oriental, comTitan_Quest um grande ênfase na liberdade de construção de personagens através de um sistema que oferecia possibilidades quase ilimitadas através da escolha de duas classes. A grande particularidade deste videojogo passa pela sua falta de foco num late game muito elaborado, ou seja, ao contrário do recente Diablo 3, valoriza o percurso do jogador ao longo de toda aventura sem possibilidades de criar de mapas aleatórios ou continuar a acção muito depois da história ter acabado através de actividades especificas ou dificuldades móveis, embora seja possível repetir o jogo desbloqueando dificuldades mais elevadas que garantem desafios mais complicados e mais e melhor lootGrim Dawn vai buscar muitas destas particularidades aproximando-o do que muitos acreditam que deveria ter sido Diablo 3, embora o fenómeno da Blizzard não esteja neste momento tão mau como é levado a crer por muitos gamers.

Grim Dawn é, por isso, um sucessor espiritual de Titan Quest num universo completamente diferente e pós-apocalíptico que mesmo assim não deixa de apresentar a sua magia, escapando por vezes ambiência demasiado deprimente de Path to Exile. A história leva-nos ao mundo de Cairn, onde a raça humana enfrenta a extinção depois de ter entrado em contacto com seres interdimensionais, que depressa tentaram aprisionar devido ao característico medo humano pelo desconhecido. Estes seres, feitos de uma substância espiritual chamada de aether, são capazes de possuir a mente humana destruindo a sua força de vontade e decisão. Estas criaturas do Grim Dawn acabam por escapar às garras dos humanos abrindo vários portais que aumentam os seus números, obrigando a raça humana que sobreviveu ao primeiro embate a viver em pequenas comunidades enquanto observam uma guerra ainda maior, que se desenrola sem que possam actuar activamente. Os aetherials não são necessariamente criaturas interessadas em praticar o mal mas não tem qualquer apreço pelos habitantes de Cairn, querendo utilizar os corpos dos humanos como recurso de modo a alimentar o seu esforço para transformar Cairn num lugar propício para a sua espécie. Para evitar isto surgem os Chthonians, uma outra raça, ou facção, interdimensional que tenta travar os aetherials da pior forma possível, destruindo os humanos

O jogador começa a sua história possuído por um aetherial, e prisioneiro de um dos últimos redutos da raça humana. Enfrentando o cadafalso o espírito invasor deixa o seu corpo dotando a personagens de poderes sobrenaturais. A partir desse momento o jogador deve seguir o seu próprio caminho aliando-se às facções do jogo e evoluindo as suas habilidades de forma a praticar o bem ou o mal numa narrativa que com pequenas decisões levam a pequenas consequências. Para ajudar a perceber toda a lore há também documentação que o jogador vai descobrindo na sua aventura, e que embora extensa, apresenta-se em pequenas secções em forma de correspondência entre personagens e entradas em diários pessoais.
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Visualmente Grim Dawn não é particularmente dotado, mas estando em desenvolvimento deste 2009 é de louvar o seu estado final, especialmente pela performance, que mesmo com bastante acção e efeitos a decorrer raramente se transforma numa experiência muito abaixo dos fps pretendidos. O mundo de Cairn tem muita beleza e variedade fugindo do padrão pós-apocalíptico de outras franquias. Do pântano, ao deserto, da floresta às montanhas geladas a variedade traduz-se também nos monstros que se destacam em cada zona.  Para além da variedade do mundo cada canto esconde um segredo, por vezes é necessário esperar até ter os recursos necessários para destruir aquele aglomerado de rochas ou material suficiente para reconstruir uma ponte, mas quando a acção se torna possível, uma nova área surge com novos desafios e monstros lendários.

Outras particularidades de Grim Dawn são as quests, a principal informação não é devidamente apontada no mapa até ao jogador estar perto o suficiente, e por isso deve explorar e perceber pela leitura de cada quest onde deve procurar, bem ao estilo de muitos RPGs clássicos. Algumas destas demandas têm consequências específicas que influenciam a história de várias personagens. Excepto numa ou duas ocasiões o mundo não parece mudar substancialmente e a historia acaba por nunca se distanciar do padrão, mas é bom descobrir que existe escolha e que há margem para desenvolver a mentalidade do protagonista.

A criação visual da personagem não é particularmente dotada, é permitido apenas escolher o sexo, e tal como noutros jogos do género isso terá de bastar. A classe do protagonista só é decidida a nível 2 permitindo ao jogador experimentar com que armas se acha mais habilidoso e que classe se poderá adaptar ao universo de Cairn com mais facilidade. Das classes mais normais, como o Soldier ou o Nightblade, surgem também alguma menos convencionais como Occultist ou o Arcanist. O sistema de classes é um dos conteúdos principais, e o que bebe mais de Titan Quest. A nível 10, o jogador pode escolher uma segunda classe tornando a sua personagem num híbrido cheio de possibilidades.

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A árvore de cada classe pode ser confusa em primeira instância, mas depressa se torna claro que há duas maneiras de gastar os pontos que vão ficando disponíveis depois de cada subida de nível. Não existem pontos diferentes mas a sua aplicação tem consequências pois os pontos de mastery, que permitem ter acesso a habilidades mais avançadas não são restituíveis, enquanto os que são aplicados nos skills podem sem modificados a troco de alguma currency do jogo. Este facto é particularmente problemático pois os avanços de mastery devem ser bem aplicados ou podem arruinar a build aos jogadores. Esta é talvez uma das principais críticas ao sistema, porque embora force alguma replayability pode arruinar a experiência a um jogador menos experiente ou mais desatento.

Ao longo da exploração o jogador encontrará também pequenos altares que apresentam um outro tipo de pontos que certamente irão ser familiares para fãs de Path of Exile, pelo menos na sua apresentação. Depois de depositar nestes altares um material específico ou derrotar uma vaga de monstros, estes desbloqueiam Devotion Points que são aplicados num sistema de constelações, que quando completas, oferecem bonificações ao jogador e por vezes skills que se podem associar a habilidades de classe já existentes. Este sistema de constelações dá um outro twist a toda a construção da personagem e necessita também de uma reflexão cuidada, embora os pontos investidos possam também ser restituídos e redistribuídos para novas combinações.

O combate é bastante satisfatório, reflectindo todo o leque de opções que aplicámos na nossa build. Por vezes a historia do jogo é totalmente ignorada pelo jogador apenas porque limpar uma área especifica de inimigos é enormemente satisfatório. Os inimigos explodem, são electrocutados ou incendiados, e Grim Dawn não dispensa o gore envolvido. Hordas de inimigos desaparecem em poças de sangue, cada critical hit tem o seu impacto emocional, e os controlos respondem totalmente aos impulsos de cada click, em suma, o que um ARPG realmente necessita para vingar!

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O loot assume também uma natureza bastante variada mas pode ser difícil de gerir, especialmente num inventory que nunca é grande o suficiente. Felizmente depois de algumas horas a jogar, o loot de menos qualidade deixa de ser importante a não ser para vender, havendo uma opção para ocultar os drops de fraca qualidade permitindo ao jogador focar-se no essencial sem a necessidade de se dirigir a um vendedor de 10 em 10 minutos. A qualidade do equipamento e das armas tem um esquema de cores característico que foge ao padrão do género, especialmente porque a cor azul é melhor que o habitual amarelo. Items lendários são tão raros que na dificuldade Normal podem nunca aparecer. Os atributos de cada peça de loot são também altamente aleatórios, com valores que podem estar a milhas de servir à personagem, e outros que se aproximam da perfeição mas obrigam o jogador a abdicar de outros. Há sempre um meio termo nestes atributos, que devem conjugar-se de forma a dar sobrevivência à personagem, e ao mesmo tempo, quantidades enormes de dano.

O sistema de crafting não é complicado de entender mas alguns componentes são difíceis de encontrar, com muitas receitas a cair aleatoriamente em loot, e outras a ser vendidas juntamente com items bastante pertinentes através dos vendedores de cada facção, que normalmente vendem gear bastante especializado que pode ser uma mais valia até existir um drop melhor, mas que só estão acessíveis depois de ganhar uma determinada reputação com cada uma delas.

Grim Dawn é um ARPG clássico, com o seu próprio twist moderno que certamente apelará a fãs de qualquer dos jogos já mencionados. Podemos considerá-lo uma experiência mais hardcore do que é normalmente servido no mercado, embora exija tal como qualquer outro uma dedicação bastante acentuada. Peca no seu late game pela falta de conteúdo aleatório, o que pode demover a plateia habituada a jogos com uma grande componente aleatória como Diablo 3. No entanto, há sempre a possibilidade de começar um novo jogo numa nova dificuldade mantendo a personagem, subir reputações com as várias facções, caçar nemesis spawns, ou seja, bosses bastantes fortes que exigem preparação, e claro, explorar o mundo de Cairn, porque certamente ficará algo para descobrir depois da primeira aventura. É também possível jogar online até 4 jogadores, o que pode aumentar substancialmente a duração do jogo e o interesse pelo mesmo!

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Volto para o próximo mês com mais videojogos…