“Miguel Portas” – Nuno Araújo

Esta semana a minha crónica faz homenagem a um dos maiores agentes da sociedade portuguesa dos últimos vinte e cinco anos. Miguel Portas desapareceu esta semana que passou, devido a doença prolongada. Iria fazer 54 anos.

Pertenci ao partido Bloco de Esquerda (BE) durante uns anos; estive em alguns eventos onde Miguel Portas também esteve. Numa convenção do BE (2005, creio eu), Miguel Portas era presença assídua no café do fórum Roma, em Lisboa. Costumava estar a falar com pessoas, todas elas diferentes entre si: jovens, idosos, jornalistas, activistas. Recordo-me ainda de quando eu fui discursar nessa convenção, o som do microfone falhou, e tornou a falhar, sucessivamente… perante a dificuldade em me fazer ouvir, dentre os risos da plateia, Miguel Portas sugeriu, simplesmente: “mais alto!”… e foi o que fiz…

Lembro-me também de o ter encontrado a caminho de um almoço no mercado da Ribeira, em Lisboa, comemorativo dos 10 anos do BE, onde íamos todos num passo acelerado, até porque já eram horas do dito repasto tomar lugar, mas o Miguel conseguiu ser simpático, como sempre, e ainda que caminhando apressadamente, olhar em volta para dar um olá e um sorriso.

De resto, muito da vida pública de Miguel Portas, são factos conhecidos dos demais. Foi militante do PCP até 1989, fundando a “Terceira Via” (dissidente dentro do PCP), para poucos anos mais tarde fundar o movimento Política XXI, com pessoas de vários quadrantes da esquerda portuguesa. Em 1999, concluíu com Francisco Louçã, Luís Fazenda e Fernando Rosas o acordo para fundar o BE. Em 2004 foi eleito para o Parlamento Europeu, tendo sido reeleito em 2009. Pelo meio ficaram as suas opiniões e livros sobre o Médio Oriente (“No Labirinto”, Almedina, 2006), ou manifestações contra a guerra do Iraque (2003, em que também esteve Mário Soares e Maria de Lourdes Pintasilgo); para trás ficaram as ousadas intervenções jornalísticas na revista “Contraste” , datada da década de 1980; sobre esta edição contaria Miguel Portas mais tarde, numa das suas últimas entrevistas, para o jornal “Expresso”: “(…)Rui Zink a ter a grande ideia de fazer uma capa cujo título era ‘Ai Álvaro, faz-me festas mais Avante’. Tirei o ‘Ai, Álvaro’, que era muito provocante e a revista avançou. Mas ficou condenada(…)”. Ler mais em http://expresso.sapo.pt/miguel-portas-quem-nao-se-arrepende-de-nada-ou-e-parvo-ou-santo=f721369#ixzz1tNOM3kFs .

Incansavelmente lutador pelos valores da democracia, firme crente na Humanidade e na Obra do Homem, respeitador dos adversários, brilhante intelectual, bem-humorado, Miguel Portas era um deputado no Parlamento Europeu por demais respeitado por todos. Miguel Portas era igualmente respeitado dentro de portas, tendo merecido menção por parte do presidente da República, Cavaco Silva, e até presença de Passos Coelho no velório. Miguel Portas era irmão de Paulo Portas, ministro dos Negócios Estrangeiros, que assistiu das galerias da Assembleia da República, visivelmente abalado, à homenagem prestada a Miguel Portas, após o debate quinzenal entre governo e parlamento.

Miguel foi um homem que não passou despercebido a ninguém, amigos e adversários políticos incluídos. Perguntaram a Miguel, na entrevista do Expresso já citada, qual seria o seu legado, ao que ele respondeu: “Só para mim: gostar de cá ter estado, porque procurei ser um tipo decente, com algumas asneiras até, mas que fiz algo com que me posso sentir bem. O legado político, de algum modo, é o Bloco”.

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana