Ora Zumba na caneca, ora na caneca Zumba

Está na moda, nos improvisados salões de dança convertidos em ginásio, que abriram recentemente por todo o mundo, queimar calorias ao ritmo das danças latinas com a Zumba, ou seja, a mais recente e divertida forma de perder peso, que tanto pode servir para nos arrancar de casa e de pretexto para iniciarmos um estilo de vida mais saudável, como dar o mote para nos convencermos de que talvez fosse afinal mais benéfico manter aquele de que nos queríamos livrar, pelos menores risco para a saúde que isso implica.

29/10/14, meu primeiro dia de aulas numa conhecida academia de Zumba da capital, que à entrada podia ter confundido com uma escola de danças de salão. Em primeiro lugar, por causa da música que ecoava vinda de uma sala que tinha a porta entreaberta e, em segundo, porque até àquela data nunca eu numa ou noutra me tinha atrevido a pôr os pés e por isso não reconhecia, logo à partida, as diferenças entre ambas. O som ritmado era de salsa, tocado por uma orquestra de cubanos exilados nos Estados Unidos, e deve ter sido por causa dela que dois sujeitos aparentemente encostados ao balcão a saborear uma bebida energética on the rocks, devem ter sussurrado ao ouvido um do outro a combinar entre si qual deles é que me convidaria em primeiro lugar para dançar.

Talvez tivessem rapidamente desistido da ideia se tivessem reparado na minha cara desprovida de maquilhagem para disfarçar as enormes olheiras com que saí de casa. Na véspera, passara a noite em claro, como se de nunca pregar olho de noite, quando estava tensa, viesse a saber a resposta à pergunta do que significava aquele termo cuja correspondência para o Português não conseguira encontrar em nenhum dicionário online na Internet.

Até me provarem o contrário, Zumba era uma palavra na letra da célebre canção da Tonicha, que toda a gente cantava no refrão sem saber o que queria dizer, nem se preocupar em que no final do verso ela não rimasse com coisa alguma.

Para quem não está familiarizado com esta ou qualquer outra forma rápida de perder peso, sempre digo que a Zumba consiste na técnica de executar em grupo, uma coreografia que não importa ser mal dançada se estivermos perto de quem possa destoar, ainda mais do que nós, dos restantes parceiros de dança de quem estamos rodeados, sempre ao compasso de músicas latinas que só não fazem, por seu intermédio, maior sucesso nas pistas de dança das discotecas, porque à entrada puseram alguém a filtrar as pessoas que pretendam entrar de t-shirt suada, de leggs com casaco de fato-de-treino amarrado na cintura ou ténis.

Diante de uma professora que coordena os movimentos dos alunos, constituem a classe pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, que sem distinção de raça, nem de religião, sacodem freneticamente o corpo, numa sensual combinação de movimentos aeróbicos com exercícios de resistência corporal, como se não houvesse amanhã e não acreditassem na existência de vida para lá do plano material.

Talvez fosse essa a melhor forma conhecida para, a par da capacidade cardiovascular, o ser-humano melhorar o equilíbrio e a coordenação motora, aumentando a massa muscular. Dietas loucas e chás dietéticos inibidores de toxinas prejudiciais ao organismo, há-os abundantemente nas prateleiras dos supermercados ou lojas da especialidade, inundando as prateleiras até às bordas com artigos publicitados nos três canais que prometem soluções indolores e sem esforço de emagrecimento, garantindo resultados tão duradouros quanto o que se obtém tentando com um copo de água saciar a sede de três dias no deserto.

Outro tipo de exercícios apontam para os mesmos resultados. Caminhadas talvez produzam o mesmo fim, mas de todas as vezes que resolvi deixar o carro estacionado à porta de casa e fui a pé para o trabalho, nunca nenhuma das minhas colegas veio até mim elogiar-me dizendo que estava muito mais magra do que o dia anterior.

Fosse por que razão fosse, resolvi que estava na hora de fazer algum exercício e matriculei-me num ginásio frequentado exclusivamente por mulheres. Via nisso uma vantagem porque, em trajes que podiam facilmente despertar desejo num homem, podia movimentar-me livremente sem ter à perna um sujeito a mirar-me o rabo como se estivesse a tirar-lhe as medidas para quando fizesse anos me oferecer um par de calças ou, na pior das hipóteses, a calcular se usava cueca ou fio dental para, em vez delas, me comprar uma lingerie sensual.

Ali estava eu no meu primeiro dia a equipar-me, num balneário repleto de mulheres que não paravam de tagarelar, onde para me conseguir abstrair me punha no lugar dos homens que pensavam que tantas no mesmo lugar em trajes menores só podiam ser fruto da sua fértil imaginação. Nesse sentido, ficaria sozinha sem ter à minha volta ninguém que reparasse necessidade urgente que tinha de fazer a depilação, nas pernas, no buço e nas axilas.

Abrindo o saco, enfiei, por cima de umas calças de lycra, uns calções, pus uma sweater e enlacei o cabelo num elástico que trazia no pulso. Já com o cabelo preso, vi-me ao espelho e desprendi um sorriso que gostaria de ver mais frequentemente, sobretudo quando tivesse que encarar situações adversas.

Em seguida, ajeitei a roupa calmamente, evidenciando a subtileza com que um grande artista dá as derradeiras pinceladas numa tela.Com as meias altas de lã puxadas até aos joelhos, estava finalmente pronta para, como se costuma dizer, dar o litro, suar as estopinhas, à condição de perder os centímetros nas ancas que me impediam de continuar a vestir, de uns anos para os outros, a roupa que usava em cada estação e obrigava a renovar constantemente o guarda-roupa.

Olhei para a porta e segui uma rapariga que dava ares de andar naquilo há bastante tempo, antes de atravessar um corredor, findo o qual entrei no ginásio, que não passava de um espaço improvisado a partir do derrube feito à pressa, a julgar pelo rodapé mal acabado, de uma parede que separava duas salas de relativamente grande dimensão.

Olhando à volta, vi um espaldar, que parecia uma trepadeira encostada a um muro; no lado oposto um espelho a toda a largura que aumentava exponencialmente a minha vontade de rir; dois bancos compridos de madeira sobranceiros a um amontoado de colchões; um varão para pendurar as tolhas de rosto com que no fim enxugávamos o suor; e um rádio ligado por fios a duas colunas altas por onde o som saía desigual como se o que tocasse fossem duas versões diferentes da mesma música.

Quando o som, no volume máximo, da primeira posta a tocar soou no meu cérebro como um alarme impedindo o corpo de continuar a mexer-se, caí redonda no chão.

Não devo ter batido por pouco com a cabeça no chão, o que seria um motivo de preocupação para quem me estava a ver, pois assim que acordei nos braços de um belo rapaz com quem qualquer mulher gostaria de adormecer ao lado, algumas das pessoas que me rodeavam apertavam a sua entre as palmas das mãos, como se temessem deixá-la cair e da queda, ao acordar, viessem a deparar-se com uma cara de susto idêntica à minha.

Concluí que por não ter parado quando devia, isto é, logo aos primeiros sintomas de cansaço, fui ao tapete e ainda por cima a meio de um exercício em que a ordem era para saltar o mais alto que pudéssemos.

Desmaiei o tempo que durou quase ter embarcado numa viagem sem regresso. Num plano mais elevado em relação àquele em que me encontrava, nos braços do meu salvador, vi o meu corpo estendido no estado de inconsciente, sem me aperceber da ameaça que pairava sobre mim, alheada dos rumores gerados acerca da minha condição.

Depois vi gente aproximar-se sem fazer ideia da razão pela qual me apalpavam. Muitas mulheres, que no caso de estar acordada jamais deixaria que tocassem em mim, massajavam-me a cara, o pescoço e o peito até se aproximarem dos seios. Primeiro com as mãos, beliscando-me com força nos braços como se quisessem dar-me mais um motivo para me querer afastar delas, e depois passando uma toalha humedecida em água quente do duche no rosto que me obrigava a relaxar, desejando manter os olhos fechados na ânsia de descobrir o que iam fazer de seguida para me agradar. Num movimento circular seguido de vaivém, das pálpebras até às bochechas, senti-me tão bem que até dos apertões no pescoço achei que ia sentir a falta assim que parassem de o apertar.

Descobri-o da pior forma possível. Destapando um frasquinho tirado da maleta da farmácia, deram-me a cheirar uma substância anestesiante chamada éter, mas que comigo teve o efeito contrário. Tinha um cheiro tão ativo que com uma breve inalação faria despertar qualquer pessoa de um estado vegetativo ainda mais profundo do que o meu, ainda que tivesse vindo um médico desencorajar os familiares dizendo que por ela, infelizmente, nada mais havia a fazer, a não ser solicitar os serviços de um Padre que lhe desse o derradeiro sacramento.

Com uma violenta dor de cabeça acompanhada de contração no pescoço, acordei vendo imediatamente mais gente de ar assustado a fixar-me o rosto do que se tivesse anunciado que abandonava a academia de Zumba porque me sentia mais constrangido diante de si do que se me forçassem a mudar de roupa num balneário repleto de rapazes.

Aconselho, no entanto, a prática de exercício físico a toda a gente, mesmo a quem não precisa de emagrecer, como aquelas mulheres que são mais magras do que eu e de quem falam, com desdém, todas as digníssimas esposas dos seus melhores amigos. Essas com quem elas não se importariam de ir ao ginásio mas só para poder controlá-las.

Nada tenho contra nenhuma delas, mas desde que não tentem arrastar-me consigo, pois além de não querer voltar a correr o risco de ter um desfalecimento com as implicações que isso poderia ter para a minha saúde, dispenso poder vir a testemunhar o que, por causa dos ciúmes doentios, elas possam querer fazer umas às outras.

Não digo que, com moderação, a prática de exercício físico regular não seja benéfica, mas, no meu caso, foi só quando estava deitada que me senti melhor. E não durou mais tempo porque, talvez pensando que não me estivessem a agradar, pararam as massagens no pescoço e retiraram a toalha quentinha do rosto, fazendo-me acordar, que é como quem diz, trazendo-me depressa demais de volta do sonho à realidade.