A Pessoa e o Cancro – Tratamentos e Sentimentos – Lúcia Reixa Silva

A semana passada quando escrevi a primeira parte desta crónica, decidi deixar para esta segunda parte a perspectiva do diagnóstico e tratamento – o que fazer quando há um diagnóstico de Cancro, e também abordar de uma forma generalista o tipo de sentimentos que a pessoa sujeita a este diagnóstico atravessa.

Vou na verdade focar esta aspecto essencial que visa informar ou esclarecer, mas gostaria também de deixar espaço para o fluir do sentimento livre perante o diagnóstico de uma doença deste tipo, que, com contornos mais, ou menos, severos, deixa sempre presente um sentimento forte, quer do próprio perante si mesmo, quer daqueles que o amam e estão à sua volta.

Diagnóstico e Tratamento

Quando é diagnosticado um Cancro, a pessoa deverá logicamente ser aconselhada pelo médico que a segue, seja um especialista que já a seguia anteriormente, seja o seu médico generalista habitual que posteriormente a irá encaminhar para a especialidade adequada. Para além deste aconselhamento e encaminhamento, o doente deve, se assim o desejar, e sem qualquer tipo de constragimento, procurar uma segunda opinião acerca da sua situação e das possibilidades de tratamento. Muitas vezes os médicos têm opiniões diferentes acerca dos tratamentos de eleição, e o doente deve poder decidir com informação suficiente e totalemtne esclarecido, desde que tenha essa capacidade e o deseje. Obviamente existem pessoas que não conseguem ou não querem este tipo de informação, e nestes casos, o procedimento terá de ser adequado a cada caso concreto.

Após o diagnóstico proceder-se-à ao tratamento, sendo que neste caso, tal como referi na primeira parte desta crónica, o mesmo será diferente consoante o tipo de cancro, o grau em que se encontra na fase do diagnóstico, bem como o doente em si mesmo e a sua situação particular a todos os níveis.

Existem vários sites on-line credíveis com informação adequada caso a caso, como é o caso do site do próprio IPO e a que o doente com diagnóstico de Cancro, seus familaires e/ou amigos podem e devem aceder. Se assim o entenderem.

Os diferentes grupos de saúde, com clínicas várias, o Centro da Fundação Champalimaud (há dois anos em funcionamento em Lisboa), possuem também informação adequada a alguns casos de Cancro, informação sobre os tratamentos que praticam, possibilitando marcação directa de consulta numa das especialidades, inclusive consulta para segunda opinião, por exemplo, se o doente desejar. Nestes casos, no entanto, raramente existem protocolos com o Serviço Nacional de Saúde, e, frequentemente, os acordos são destinados a algumas seguradoras apenas, sendo que o doente poderá ter que desembolsar largas quantias de euros se optar por alguns tratamentos na Rede privada…Esta é uma questão com que, infelizmente, o doente poderá ter que se confrontar, pois existem opções de tratamento que são bastante “caras” e que apenas estão ao alcance de alguns doentes, e por vezes apenas disponíveis em alguns locais da Rede de Serviços Privados de Saúde.

Não é verdade que todo o tipo de tratamentos esteja disponível na Rede pública, nem é verdade que o tempo de espera seja igual na Rede pública e na Rede privada. No entanto, apesar de ser real que o tipo de tratamentos e o tempo de espera variem bastante entre um e outro tipo de Serviço, estou certa e quero acreditar que, em Portugal, e por enquanto, a todos é garantido acesso a tratamento adequado e eficiente em tempo útil, ainda que o leque de opções de tratamento possa não ser igual.

Posta esta questão mais prática e imediata, resta-me pois falar um pouco sobre os eventuais sentimentos que estão presentes no doente nesta fase, do diagnóstico ao tratamento e posteriormente.

Os Sentimentos

O doente passa por sentimentos vários, que passam pela negação, revolta, medo, ansiedade, desespero, desamaparo, solidão, tristeza, raiva, e, muitas vezes, depressão…Na verdade, não é complicado imaginar a panóplia de emoções que qualquer pessoa poderá ter perante um diagnóstico de Cancro, a espera, os exames, as consultas, as decisões, a informação…

Na sua essência, o doente deveria poder ter apoio para falar abertamente da doença e do que sente, mas também tem de ser respeitado no seu silêncio. Se partilhar a dor, nalguns casos, ajuda, noutros, ao invés de ajudar, produz o efeito contrário. Cada pessoa é única e vive este momento de forma apenas sua, numa primeira fase. Posteriormente, existe uma tendência para partilhar a sua preocupação, e procurar ajuda e suporte naqueles em quem confia.

O perigo de depressão existe e é real, sendo que “não deixar calar a raiva e a revolta”, ou seja não reprimir sentimentos, é essencial, a meu ver,  para evitar precisamente “cair em depressão”. Se é necessário manter a calma, a esperança e a confiança, combatendo o “stress” que o diagnóstico e fases seguintes da doença e seu tratamento desencadeiam na pessoa, é ainda mais necessário que a pessoa possa manifestar a sua raiva e a sua zanga, de forma plena e livre de censura. É claro que a pessoa tem o direito a estar zangada! O Cancro não é justo, nem surge como um “traço do destino” que visa uma “qualquer aprendizagem positiva”, e outras coisas afins…É claro que algumas pessoas podem conseguir extrair uma aprendizagem positiva de situações graves de dor, como pode ser a de um diagnóstico de Cancro, mas “poupem-me” aqueles que acham que o Cancro serve como “prova” para aquele alguém, e que visa a sua mudança interior, etc, etc, etc…Um diagnóstico de Cancro é uma “tremenda chatice”, para não dizer muito pior! É daquelas “Provas” de que ninguém precisava para nada, e “passava lindamente sem a mesma”…Também já vi muita gente que passou por isso sem que isso mudasse nada de significativo posteriormente…só causou dor, na verdade!

A propósito disto li uma vez uma carta, em tom de desabafo, de uma jovem mulher com um linfoma grave que teimava em voltar após alguns períodos de remissão, e que ouviu de uma sua amiga qualquer coisa como: “Pensa bem se na tua vida não terás sempre sido egoísta, centrada em ti, etc, etc, e se estas doenças não aparecem precisamente a quem precisa de rever a sua vida, a sua forma de estar, etc, etc,…”

Por favor, é quase de uma “perversão moral” e bastante “sádica”, por sinal, este tipo de comentários “pseudo espirituais”, falsos e moralistas e absolutamente devastadores para o doente…é absolutamente “criminoso” este tipo de comentários…

Independentemente da “prova de vida” que um Cancro possa representar para o pórprio, ou para quem o ama, e com total respeito pela convicção pessoal de cada um, a doença surge devido a múltiplos factores biológicos, genéticos, ambientais, dentre outros, e é sempre injusta e “dura” para quem a passa a incluir na sua preocupação de vida. É pois legítimo que a pessoa possa “gritar” e dizer “palavrões” quando se “consegue revoltar”, e que queira “anular a doença” e não a si mesma.

É pois urgente que a pessoa possa virar esta “agressividade” contra a doença em si mesma, ao invés de a “virar contra” os que a rodeiam – médicos, familiares, amigos, – e muito menos contra si própria – o que é muitas vezes a causa da depressão…É legítimo haver dias em que está triste, outros em que está mais confiante, outros em que está zangada, até equilibrar um pouco as emoções e concentrar-se na cura da doença.

A pessoa e quem a rodeia, devem perceber que é muito importante aceitar as emoções e não ter medo de as sentir de forma livre, sem censura.

É claro que não se aconselha ninguém a entrar em desequilíbrio, nem ter atitudes negativas, mas tão somente fazer com que a pessoa perceba que é natural sentir a tristeza, chorar, ter raiva, revolta, tal como é natural que depois haja uma tendência para procurar o equilíbrio, a confiança, a serenidade…

É natural ter dias em que se sente mais fraco ou desistente, para no outro dia, recuperar força e energia para lutar e vencer esta doença.

O que importa é compreender a si próprio, e ter a liberdade de poder sentir. Depois, reunir forças e lutar contra a doença, e apenas contra ela.

É a doença que deve ser alvo da “agressividade” do doente, não ele mesmo, nem os outros que o rodeiam…Nestas coisas sérias, como noutras na vida, sermos respeitados na nossa dor é essencial, e é muitas vezes o próprio que tem de dar esse passo…É no equilíbrio entre os nossos sentimentos mais “negros” e os nossos sentimentos mais “brancos”, que surge a verdadeira compreensão e aceitação de nós mesmos…na saúde e na doença…e é nesta aceitação que podemos ser livres de escolher e decidir caminhos e tratamentos, com toda a confiança, força e sabedoria interior.

Sites informativos aconselhados

http://www.ipolisboa.min-saude.pt/

http://www.ligacontracancro.pt/

Desejo a todos uma semana equilibrada e tranquila,

 

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Crónica de Lúcia Reixa Silva
De Alpha a Omega