Sense8 – Todos Diferentes, Todos Iguais

A entrada da Netflix em Portugal propiciou-me a visualização de algumas séries que até então desconhecia e a descoberta de algumas boas surpresas que merecem ser partilhadas. Hoje falo-vos de uma delas: Sense8. Para aqueles que nunca ouviram falar de Sense8, esta trata-se de uma série de 12 episódios lançada este ano e cuja realização é assinada por Michael Straczynski e pelos irmãos Wachowski. Sim, isso mesmo que está a pensar, os responsáveis por V de Vingança (2005) e uma das obras-primas que fecharam o milénio passado, Matrix (1999).

Sense8 nunca chega a ser uma obra tão genial como Matrix, mas a espaços, consegue alguns momentos de grande qualidade e de envio de mensagens que deverão tocar muita gente. Do que se trata a série ao certo? A série, como o próprio nome indica, retrata a ligação de oito personagens distintas espalhadas um pouco por todo o globo e que são sensitivas e conectadas entre si por um fenómeno que existe na realidade, cujo nome é ressonância límbica. A ressonância límbica permite sentirmos o estado psicológico, físico o espiritual de alguém sem estarmos necessariamente na presença física dessa pessoa. Esta série leva esse fenómeno a um extremo,ou não se tratasse de uma obra ficcional, e é nesses momentos que mais brilha.

Cada personagem principal (cada sensate) tem a sua própria história de vida passada no seu país de origem. É após um misterioso suicídio de uma mulher chamada Angelica (que todos os sensate têm a capacidade de vislumbrar) que a conectividade entre si passa a existir. Os irmãos Wachowski criaram um leque de personagens que respeita diferentes etnias, religiões, raças, géneros ou orientações sexuais e torna cada personagem diferente numa personagem igualmente importante. Não podemos mesmo dizer que algum tenha mais protagonismo que outro.

Nomi, à esquerda, e
Nomi, à esquerda, e Amanita, à direita

Capheus é um jovem rapaz que vive em Nairobi, no Quénia, que se dedica a transportar pessoas na sua carrinha chamada Van Damn, uma inspiração no actor Jean-Claude Van Damme (conhecido pela prática de artes marciais), como modo de ganhar dinheiro para comprar medicamentos para a sua mãe, portadora do vírus HIV. Sun é uma mulher sul coreana que vive em Seul, dedicando-se profissionalmente à importante empresa do pai e do irmão e aos combates nocturnos fora de horas. Sun é a personificação de Van Damme numa mulher e a sua ligação a Capheus vai tornar-se especial ao longo da série. Nomi é uma rapariga transsexual e lésbica que tem como amor a jovem Amanita. Ambas vivem em São Francisco e são activistas que lutam pelos direitos LGBT. Nomi nasceu Michael e a mudança de sexo nunca foi bem aceite pela família. Esta personagem acaba por ser inspirada na própria realizadora da série, Lana Wachowski, que nasceu Larry e que mudou de sexo, mas também a representação de tantas outras pessoas que não são bem aceites na sociedade por tomarem tal decisão. Outra personagem é Kala, uma rapariga indiana, farmacêutica de profissão e que vive em Bombaim. Kala é devota a Ganesha, o Deus da sorte e da sabedoria do Hinduísmo. É a ele que recorre para confessar que não ama o homem com quem está para casar.

Will
Will

Riley é uma jovem DJ islandesa que vive em Londres e cuja história de vida é muito complicada. Tem por hábito refugiar-se dos problemas quer na música, quer nas drogas. Will é um polícia de Chicago que actua em bairros problemáticos onde grupos mais ou menos organizados veem a polícia como o principal inimigo. Will é também um homem assombrado por memórias de infância de uma menina loura cujo desaparecimento foi mal explicado. Outro dos protagonistas é Wolfgang, um chaveiro alemão que vive em Berlim e que nas horas livres se dedica ao crime organizado com o seu fiel amigo Felix, arrombando cofres “impossíveis” e arranjando muitos problemas com grupos criminosos, curiosamente seus familiares.

Por fim temos Lito, um actor mexicano de grande renome no seu país. Uma celebridade que protagoniza filmes de acção onde derrota os maus da fita e é um sucesso no meio do público feminino. Isto na ficção, porque na realidade é gay e tem como amor da sua vida Hernando. O medo de assumir a sua homossexualidade e que esta possa destruir a sua carreira e fama é a grande problemática da sua vida. A de Lito e de tantos outros homens do cinema ao desporto, que no mundo inteiro têm medo de se assumir perante sociedades que teimam em abrir-se e tratar toda as pessoas como seria espectável: como iguais.

Estando todos ligados de forma emocional, psicológica e espiritual, os oito protagonistas passam a comunicar entre si, a conhecer-se, a falar a língua que não a sua e a usar as habilidades uns dos outros, mesmo estando separados por quilómetros e quilómetros de distância. Esta conexão e cooperação entre personagens faz com que a filmagens da série se sobressaiam porque tanto num segundo estamos em Bombaim a assistir a um diálogo, como no segundo a seguir estamos a vivenciar uma cena de acção no meio de Berlim. Vistas lindas sobre zonas geladas da Islândia, conversas em pleno Memorial do Holocausto em Berlim, confissões num templo de Ganesha em Bombaim ou histórias contadas no Museu Diego Rivera na Cidade do Novo México, conferem uma beleza única à série que dificilmente serão encontradas noutras produções. O próprio genérico da série é fantástico, pela quantidade de locais do mundo que mostra, quer pela quantidade de detalhes de que dispõe a uma velocidade imensa acompanhada por um tema frenético. Dei por mim a ver a série numa maratona sem nunca passar o genérico à frente e a descobrir mais e mais detalhes que me tinham escapado. Muito bom mesmo!

Sun, à esquerda, e Capheus, à direita
Sun, à esquerda, e Capheus, à direita

Voltando à história em si, os sensate são considerados o próximo passo da evolução humana, onde, através de fortes conectividades, as barreiras físicas e espaciais não são mais um entrave às relações humanas e onde o conhecimento e relacionamento entre sensates é o mais puro sentido que pode existir. Esta raridade faz com que existam instituições que saibam da sua existência e que queiram capturar seres humanos mais evoluídos. Mais não posso revelar com medo de estragar a experiência a alguém. Quando um sensate está em perigo, os outros também estão, obrigando-os a cooperar entre si e a conhecerem-se melhor. Esta cooperação origina algumas cenas de acção bem frenéticas e ao estilo Matrix que certamente irão agradar a muita gente. No entanto, desenganem-se aqueles que pensam que o potencial da série se esgota em cenas de acção com maior ou menor recurso a efeitos especiais, porque é nos diálogos entre personagens que a série atinge maior profundidade. É através deles que sabemos o passado de cada protagonista e acedemos à dor sentida por cada um, desde os problemas na sua infância, ilustrada com recurso aos já famosos flashbacks, aos problemas do tempo presente.

O final da primeira temporada fecha uma sequência, contudo deixa muitas pontas soltas e perguntas por responder. Sense8 ainda só tem disponível uma temporada daquilo que se projecta ser um conjunto de cinco. Estreada no Verão, só terá continuidade em 2017, isto porque a sua produção não é feita da forma tradicional, em estúdio ou num só no local. A primeira temporada obrigou a longos períodos de filmagens em cada uma das cidades representadas na série. Algo que acontecerá também nas próximas. Estas características aumentam o custo de produção e o número de pessoas envolvidas na mesma. Só para o caro leitor ter noção, numa cena filmada em Nairobi foram utilizados 700 figurantes, 200 carros e um helicóptero! Não é mesmo uma brincadeira que se conclua em pouco tempo.

A presença de personagens tão diferentes e de culturas tão diversas é o ponto mais forte da série. A representação de temas sensíveis como a sexualidade, as drogas e a diferenças culturais, étnicas e religiosas tornam Sense8 numa série especial e única. Uma série, que longe de ser brilhante do ponto de vista da realização, consegue contar a história de oito personagens de diversos ângulos e agarrar pela singularidade. A forma como nos sensibiliza com cada tormenta, discurso ou emoção acaba por ser especial. Uma série que dá voz a minorias e que nos faz, de forma natural, estar do seu lado e desejar que tudo se resolva pelo melhor. Afinal de contas, independentemente do facto de a nossa orientação sexual, língua, religião, cultura, raça ou etnia, nos tornar diferentes, continuamos todos a ser humanos e por isso, iguais.