Um dia, esqueci tudo. Esqueci-me de tudo o que aconteceu nesse dia, do seu nascer até ao pôr do sol. Todos os momentos, todas as emoções, todos os segundos e minutos, todas as ilusões que do tempo que passa só da saudade são passado.
Esqueci-me. Do que é meu, de, no fundo, ser eu. Eu, que era irmão do presente – que me sente já passado.
Esqueci-me do que fiz nesse dia, do que senti, ao levantar-me, do que voei sem sonhar, do coração de um outro mar.
Cansado.
De tudo, de ser tudo ao mesmo tempo e de, ao mesmo tempo, ser eu sem o ser, existir sem respirar, amar ao naufragar nas mesmas nuvens no mesmo lugar onde um navio existe, e resiste, e por fim assiste ao fim do tempo no seu próprio mar.
Desligo-me desse tempo, onde sou apenas um “talvez”, e fujo do mundo, esse tempo em si mesmo perdido, esse rio ferido de morte e do seu interior existir.
Falhei a vida. E a vida soube-o. Soube-o, tão sábia e completamente… que deixei assim de ser gente em mim.
E depois, acordei. Era de novo eu, e todo o tempo do mundo era meu. Sonhei, e voltei à origem do mar, e o rio era frio e luar, e tudo e gente dentro.
Por dentro.
E cantei e sonhei a minha vida, e a tua, e a dele, e as vidas todas do mundo todo, e das estrelas e dos mares e rios de toda a gente que neles habita, e ficou escuro.
Para sempre o tempo parou. No mesmo segundo onde começou. E o tempo arrependeu-se dos segundos, e das horas de espera, e dos mares que existiram, e que nunca o sentiram.
Parou o tempo, parou.
Parou o pensamento no mesmo tempo onde o tempo parou.
E eu saí para a rua, sentindo o sol e o vento.
Realidade, só tu és verdade.
Crónica de Francisco Capelo
O Suspeito do Costume
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Crónica excelente quanto à escrita, conteúdo e estilo artístico!