A minha Mãe

A minha Mãe é uma mulher à antiga. Posso afirmar que é uma supermulher. Simples de carácter e de mordomias, sempre foi uma mulher que viveu a sua vida em prol da sua família. Criou e educou dois filhos, sempre longe do apoio de uma vida familiar abastada financeiramente. E, no entanto, nunca faltou nada aos seus filhos. Sacrificou-se uma vida inteira em prol dos outros. Ajudou sempre que pode todos aqueles quem ela via que não conseguiam ter uma vida digna e livre de pobreza. E fê-lo sempre sem esperar nem desejar nada em troca. E teve — e tem! — ao seu lado um homem fiel em todos os aspectos (o meu colossal Pai).

Mais tarde, com os filhos criados e com a vida encaminhada, em vez de entrar numa onda de descanso e aproveitamento da vida, eis que arregaçou mangas e agarrou-se a mais uma missão herculana, tomando conta da sua Mãe já bastante debilitada pelas inúmeras doenças que a atormentavam. Fraca de estatura, a minha Mãe não é pessoa de desistir ao primeiro contratempo e lutou com todas as suas forças contra todas as desagradáveis surpresas que as doenças da sua progenitora a desafiavam dia após dia. Até ao dia em que o lado negro bateu à sua porta e a desafiou para o maior duelo da sua vida: o cancro. Ao qual, uma vez mais, a minha Mãe voltou a arregaçar as mangas e enfrentou de cabeça erguida esse demónio na terra dos tempos modernos e voltou a sair vitoriosa. Mas perdeu a sua Mãe, minha avó, que teve igualmente uma vida de sofrimento e luta constante.

Podia ter agora uma vida mais tranquila e descansada, mas os netos surgiram e uma nova luz de força e luta surgiu no seu horizonte: a luta de ajudar a educar os netos da mesma forma que educou os filhos, sem muito para oferecer em questões de bens materiais, mas compensado claramente com um coração enorme repleto de amor para dar. E a luta continua.

Hoje em dia a minha Mãe sofre de muitas maleitas no que à saúde diz respeito — efeitos secundários de uma vida de luta constante — e todos os dias sofre de dores e prega-nos constantemente sustos ao se comportar como se tivesse ainda 30 anos de idade e livre de doenças. Porque a simplicidade na sua forma de viver obriga-a a funcionar dessa forma — como se fosse imune a tudo o que de mal a rodeia. Há quem diga que ela não tem juízo nenhum, mas talvez seja essa a verdadeira forma de se viver.

A minha Mãe, ao contrário de outros reformados, não é uma pessoa de viajar, de aproveitar tudo aquilo a que não teve direito até chegar a reforma, mas tem algo que a faz sair todos os dias do seu mundo, de viajar e desaparecer da sua realidade: a Netflix. Em casa da minha Mãe, tal como os petizes, que sempre que estão calados ou sossegados é porque estão a tramar alguma, quando se instala o silêncio é porque a minha Mãe está na Netflix, perdão, em mundos longínquos só dela e que ama e idolatra. São mundos repletos de acção, de romance, vingança e aventura constante. São mundos que a levam a esquecer uma vida de sofrimento e revolta. E sempre que se desliga desse mundo só seu, uma vez mais, o seu lado abnegado volta a tomar conta de si e tenta que todos ao seu redor também consigam entrar naquele mundo só seu que vive nas séries da Netflix, iniciando prontamente longos monólogos em que conta tudo o que viu nesta ou naquela série japonesa ou chinesa que ela tanto ama absorver.

O que pode originar largos minutos de exaustão ofegante para quem a ouve. Mas, para mim, ouvir a minha Mãe a debitar palavras, descrevendo cenários e histórias com uma energia alimentada a combustível de foguetão, deixa-me revigorado por dentro e leva-me a sonhar que ela, afinal, ainda tem 30 anos e está na flor da idade ao invés das suas sofridas 69 primaveras.

E… é esta a minha incrível Mãe.