A morte é uma maçada

Recentemente, estive doente, as dores eram de tal forma lancinantes que por momentos ( ou por delírio ) achei que ia morrer, achei que ia cair para o lado e Adeus, Sandra Castro, até nunca mais, Boa viagem até ao Céu ou Inferno ( quem sabe? ) em português corriqueiro Batia as botas ou em tom mais dramático Partiu aquela do segundo direito, tão boa pessoa e tal. A verdade é que ao pensar na morte como algo concreto fiquei triste e, se no passado por motivos menos bons a morte foi algo que me passou pela cabeça, hoje ao pensar nisso é, para mim, um grande disparate, eu quero muito viver, aproveitar a vida e chatear-me pouco, não é o que todos queremos?

Em palavras e olhar emocionado, descrevi ao meu namorado o que gostaria que fosse feito se eu morresse de repente, é essa análise do que lhe disse que vos transmito hoje, neste humilde texto: Eu não quero flores nem um funeral religioso, não quero uma campa nem jazigo, muito menos palavras bonitas escritas na lápide ao lado da triste foto e flores de plástico, eu não quero um circo de pessoas que em nada de positivo contribuíram para a minha vida, verem o meu pobre corpo ser coberto de terra enquanto lamentam a minha morte e questionam Deus pelos seus actos, não quero coroas de flores nem reuniões à porta do cemitério a decidirem o futuro dos meus filhos. A morte é uma maçada.

Disse-lhe também que gostaria que a minha roupa toda fosse doada, o mobiliário e os apetrechos femininos, os meus livros, únicos objectos que eu teria imensa pena de deixar na terra, seriam dados aos meus filhos, a vossa avó era uma chata, mas era culta e leitora assídua, dirão eles um dia mais tarde aos seus filhos quando estes perguntarem pela avó que não conheceram. A casa seria entregue, as burocracias aborrecidas feitas e as minhas gatas seriam distribuídas pelas casas familiares ( são de muito sustento, mas boa companhia, aviso com ternura ).

Estou sentada na minha cozinha, olho em volta e penso: Então, a minha vida é isto! Doar a roupa e entregar os livros, o cartão de cidadão é extinto, menos uma cidadã portuguesa no mundo, sou tão insignificante e a minha vida é tão comum, a minha morte seria completamente irrelevante para o universo, para a rotação do sol, para as estações do ano, tudo continuaria exactamente igual e do ponto de vista das estrelas, era como se eu nunca tivesse nascido. Para os leitores deste texto pode vos parecer que estou a sentir-me diminuída, muito pelo contrário, este sentimento é libertador: Se a minha morte seria insignificante então de nada servem as chatices, a culpa, a dura autoanálise, as mágoas, a elevada exigência, vai viver o raio da tua vida da forma que te fizer mais feliz, caraças!

Todos traçamos um percurso que queremos cumprir ao longo das nossas vidas, não sabemos se o vamos percorrer nem existe forma de o sabermos de antemão, eu posso estar e escrever este texto sobre a morte e, por ironia da vida, amanhã não pertencer a este mundo. A morte é uma maçada, a vida não.