A persistência do vazio

À medida que os anos vão passando, algo dentro de mim tem vindo a desvanecer-se tal e qual uma vigorosa planta que tende a murchar quando não é regada durante muito tempo — como se a Mãe Natureza estivesse zangada e saturada de lutar contra as atrocidades que o ser humano tem vindo a afligir-lhe desde o princípio de tudo e acabasse por se virar contra si mesma, contras as raízes que possui por todo o planeta. Algo em mim está a desaparecer, tal e qual as marcações de uma estrada que tendem a ocultarem-se com o passar dos anos, com o excessivo passar de pneus a suportar quilos de ferro, chapa, plástico, ossos e carne humana. Algo dentro de mim está a tentar soltar-se das correntes da minha alma e fugir para sempre de mim, tal e qual um espírito aprisionado à espera da oportunidade certa para soltar-se e encontrar o caminho que o leve até à confortante luz branca.

Algo em mim insiste em não insistir em permanecer onde faz falta para dar algum sentido à vida.

Perdi aquele deslumbramento. Perdi a capacidade de empolgamento. Perdi a ansiedade que nos abraça com tanta força, que sentimos os ossos a contraírem-se e os pulmões a gritarem de horror por não conseguirem respirar. Perdi aquela vontade de deitar à noite na cama e não conseguir adormecer porque o cérebro não desliga devido a um evento qualquer importante que acontecerá no dia seguinte. Perdi, igualmente, aquele alento matinal de que chegou o tal dia — o dia que sempre esperei, que tanto lutei para que chegasse.

Perdi tudo para um vazio interior que me deixa paralisado e sem emoções — como se de uma esfinge me tratasse, à espera do momento de voltar à vida e cumprir aquela missão que tarda em chegar. Olho para algo e sinto que não sinto nada. Olho para acontecimentos felizes, que me deveriam deixar extasiado e não sinto nada. Perdi a clareza de pensamentos, como se, de repente, tudo deixasse de ter muita importância para mim, como se não precisasse de nada e de ninguém.

Perdi a capacidade de me estimular. Perdi o encantamento da novidade. Perdi a excitação da felicidade alheia. Perdi tudo isso. E todos os dias embarco numa nova missão pessoal: descobrir o porquê de ter mudado tanto. E todos os dias as respostas chegam em forma de hipótese, deixando-me novamente sem certezas; será da idade?, será das pancadas que tenho levado de amigos ou de pessoas que, supostamente, seriam importantes para mim?, ou será apenas porque perdi a fé no mundo, na humanidade?

Não sei. Não tenho a certeza. Não sinto que o desfecho desta missão esteja próximo. Mas, no fundo, nos confins do meu coração, persiste a existência de uma pequena esperança. Que um dia, quando finalmente alcançar a resposta, voltarei novamente a sentir encantamento, empolgamento, deslumbramento, excitação e estimulação de aceitar que, afinal, a Humanidade tem, de facto, algo muito bom para oferecer a todos nós.

Mas até que esse dia chegue, pode ser que já nada valha a pena.