Um verdadeiro murro no estômago ou uma lição de vida

Nesta vida estamos constantemente a levar murros no estômago. Há quem diga que tudo faz parte da vida e confrontam-nos com frases motivacionais que ao contrário da pretensão, acabam por não ajudar em nada e ainda nos colocar mais em dúvida em relação a tudo e todos. Mas a vida é assim; por vezes fácil de mais, e outras vezes capaz de nos levar ao limite e obrigar-nos a atirar a toalha ao chão. Infelizmente, sou uma pessoa que passa mais tempo a pensar em atirar a toalha ao chão do que propriamente levantar a cabeça e enfrentar tudo e todos, sem receio de qual sejam as repercussões de tais acções.

Ao contrário da minha mãe. A minha mãe é uma lutadora. Uma espécie de guerreira implacável no que a lutar contras as vicissitudes da vida diz respeito. A minha mãe não receia a luta. A minha mãe receia apenas não ter a capacidade e força para entrar nessa luta com o objectivo claro de sair vitoriosa. Porque quando se trata de enfrentar um desafio, a minha mãe reúne todas as suas forças, levanta a cabeça e enfrenta tudo e todos com uma força de mil exércitos capaz de derrotar o próprio Hércules. A energia inesgotável que possui com a idade que tem, faz-me envergonhar sempre que baixo os braços e deixo-me derrotar por um desafio no qual não consigo vislumbrar uma rápida solução.

A minha mãe possui uma lista de doenças que a colocam à prova todos os dias. Mas a pior de todas até agora foi o cancro — e só a palavra “cancro” tem a capacidade de atirar qualquer pessoa para o abismo. O cancro veio colocar a minha mãe à prova: o maior dos desafios. Quando se recebe um prognóstico assim, de uma forma simples, mas dura e cruel, o mundo cai em ruínas. O tecto desaba, o chão foge-nos debaixo dos pés. Colocamos tudo em questão; o porquê, o quando e o como. A minha mãe deu-nos a todos uma lição, reunindo todas as suas infinitas forças e enfrentando o desafio com um espírito bélico e uma confiança inabalável.

Foram dias complicados. Foram noites horríveis. Existiram dias de muita apreensão. Mas também existiram dias de profunda alegria e motivação de que dias melhores viriam a caminho, apesar de, muito provavelmente, isso não ser a veracidade dos acontecimentos, mas sim uma espécie de auto-engano para nos motivar a todos. De todos os momentos maus que, enquanto família, passámos, não foram aqueles em que vi a minha mãe prostrada na cama sem se mexer e a gemer de dores que mais me marcaram, mas sim o dia em que tive de ir buscar forças interiores — que até então desconhecia — para fazer algo tão básico, mas que carregava uma conotação demasiado sentimental e dolorosa, para pegar numa máquina de cortar cabelo e rapar o cabelo à minha mãe. Respirei fundo e transformei-me num ser cinzento, ausente, distante, frio e impenetrável, conseguindo assim evitar que o mundo ruísse à minha volta. Transformei-me numa pedra sem sentimentos, sem dores, sem alegrias e sem alma. Uma espécie de robot apenas programado para aquela única missão. Apesar de já se terem passado alguns anos, ainda consigo vislumbrar a ausência do meu espírito naquela situação. Por fora, estava incólume. Por dentro, estava tudo a desabar. E perante tudo aquilo…

a minha mãe…

sorria.