Licença de maternidade paga como direito humano e impulsionador de progresso social

A igualdade de género não é apenas um direito fundamental, mas também uma preocupação crescente no mundo de hoje – é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), englobando um esforço global em prol dos direitos das mulheres. A ONU determina que “Facultar às mulheres e raparigas igual acesso à educação, cuidados de saúde, emprego digno, e representação plena e efetiva a todos os níveis de tomada de decisão na vida política, económica e pública irá fomentar as economias sustentáveis e favoreces as sociedades e a Humanidade no seu todo.”1

Um elemento chave no acesso igualitário às oportunidades independentemente do género é o direito à maternidade paga, politicas estas que aceleram o fim da longa dicotomia de género entre a vida privada e pública, permitindo assim a reconciliação entre o trabalho e a vida familiar. Além disso, 79 países2 asseguram tanto a maternidade como a paternidade, colocando-se na trajetória da verdadeira igualdade de género. Neste pequeno artigo analisaremos a licença parental como um mecanismo para a emancipação da Mulher, olhando para o caso dos EUA e de Portugal.

Em 1966, a ONU adotou o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos Sociais e Culturais (PIDESC), um tratado unilateral confiando aos estados um conjunto de garantias, como o direito à saúde e à educação. Este tratado juridicamente vinculativo teve 165 estados assinantes3 e constituiu um passo fundamental no combate à dicotomia de género entre a esfera pública e privada: a esfera privada das tarefas domésticas e da família, que é construída como uma realidade predominantemente da responsabilidade feminina, enquanto que os homens ocupam uma dimensão pública que incide sobre a lei, a economia e a vida intelectual. Esta dicotomia é uma manifestação de desigualdade cultural e social na padronização dos papeis de género, que só recentemente começou a ser combativa através de legislação apropriada. A utilização de politicas que defendem uma licença de maternidade paga, que servem de garantia à igualdade de género no local de trabalho, são um dos principais exemplos.

O PIDESC, para além de salvaguardar o direito ao salário igualitário no artigo 7º 4, determina também no seu Artigo 10º que “Deve conceder-se especial proteção às mães durante um período de tempo razoável antes e depois do parto. Durante o referido período, às mães que trabalham deve ser-lhes concedida licença com remuneração ou com prestações adequadas da segurança social”5. Este reforço positivo promove a partilha de rendimentos e de responsabilidades parentais entre casais, e mais importante ainda, encoraja a reconciliação da vida profissional e das responsabilidades da vida familiar, o que contribui para o desaparecimento da dicotomia tradicional já referida e desencadeia uma convivência social e uma consciência de género mais equilibrada.

Portugal aderiu o tratado a 31 de julho de 1978, e presentemente garante o direito à licença de maternidade e paternidade pagas no seu Código de Trabalho, com aval a priori que “A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes (…) Os trabalhadores têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação ao exercício da parentalidade”6. A proteção é assegurada em situações como a gravidez de risco, adoção, maternidade e paternidade, amamentação, urgência pediátrica ou licença parental. Mesmo com períodos de licença diferentes (30 dias antes do nascimento para a mãe e 15 dias depois do mesmo para o pai), o artigo 40º estabelece que “A mãe e o pai trabalhadores têm direito, por nascimento de filho, a licença parental inicial de 120 ou 150 dias consecutivos, cujo gozo podem partilhar após o parto”7.

Também o panorama mais abrangente da União Europeia (UN), onde Portugal está inserido, assegura proteção social e benefícios semelhantes aos seus cidadãos: o artigo 33º da A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia refere “A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional, todas as pessoas têm direito a proteção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade, bem como a uma licença por maternidade paga e a uma licença parental pelo nascimento ou adoção de um filho8”.

Tanto as estruturas nacionais como regionais asseguram que os trabalhadores não são descriminados, impedidos de procurar a sua unidade familiar, ou dificultado o seu avanço na carreira profissional. Mesmo assim há lugar para mais proteção em Portugal: uma nova aposta pode incidir na flexibilidade horária após o regresso a casa para ambos os cônjuges, assim como maiores considerações sobre a licença de paternidade e os seus benefícios.

Neste contexto de noções de género discriminatórias e de garantias jurídicas eminentes, é de lamentar que os Estados Unidos da América falhem na salvaguarda das licenças de maternidade e paternidade aos seus cidadãos. Na verdade, os EUA não aderiram ao PIDESC (apenas assinado pelas Ilhas Comores, Cuba, Birmânia e pela República de Palau), e são apenas igualados pela Papua Nova Guiné na sua não aplicação de benefícios monetários durante a licença de maternidade, de acordo com o relatório de 2014 da Organização Internacional do Trabalho, “Maternidade e paternidade no trabalho – Lei e práticas a nível mundial9”.

Para além da negligência na aplicação de direitos sociais direcionados às mulheres e a homens trabalhadores, esta falta de proteção estatal, impede o progresso e desfaz as tentativas para encorajar as mulheres a reconciliar de maneira mais acessível o trabalho e a vida familiar.

A mudança traz a mudança, e reforços positivos lideram o caminho para ações decisivas, que evoluem para um crescimento favorável, que em última instância cresce na direção de uma bem-sucedida aplicação dos Direitos Humanos e de padrões de vida, o que neste caso promove a igualdade de género. Uma única lei não deve ser subestimada, e os EUA precisam de atuar como porta estandarte da esperança que alegadamente representam e, finalmente, garantir os direitos sociais inerentes à maternidade e paternidade.

 

1 United Nations, ‘’Sustainable Development Goals – Goal 5‘’,  http://www.un.org/sustainabledevelopment/gender-equality/
2 Jack Linshi, ‘’See How Much Paternity Leave New Dads get by Country’’ (Time), 10/June/2015, http://time.com/3916511/parental-leave-map/
3 Organização das Nações Unidas Treaty Collection – International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights [available online: https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=IND&mtdsg_no=IV-3&chapter=4&clang=_en#19 ]
4 ‘’Artigo 7: The States Parties to the present Covenant recognize the right of everyone to the enjoyment of just and favorable conditions of work which ensure, in particular: (a) Remuneration which provides all workers, as a minimum, with:
(i) Fair wages and equal remuneration for work of equal value without distinction of any kind, in particular women being guaranteed conditions of work not inferior to those enjoyed by men, with equal pay for equal work’’
5  Organização das Nações Unidas, Acordo Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, 1966, Article 10-2;
6 Código do Trabalho 2009, Artigo 33
7 Ibidem Artigo 40
8  Jornal Oficial da União Europeia, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – (2012/C 326/02) (2012), Artigo 33-2
9 Organização Internacional do Trabalho, Maternity and paternity at work: Law and practice across the world (2004), pg.2 [disponível online: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—dcomm/documents/publication/wcms_242617.pdf ]

Agradecimentos: Luís Antunes pela tradução do artigo original, que pode ler no nosso parceiro Mais Opinião.