Lorena

Falou-me num timbre de voz idêntico ao que tanto aprecio quando oiço cantar Flamenco. Sentado à secretária, rabisquei rapidamente o retrato-robô no pedaço de folha que tinha diante de mim com o seu número de telefone.

Farta cabeleira, a pele morena de não usar protector solar e olhos negros que eram um fator natural de distinção e assinalavam o contraste de uma natural de Sevilha em oposição às mulheres nascidas nas demais regiões de Espanha.

Deve ter-lhe sabido a pouco, apenas ter-lhe elogiado o modo simpático, no final duma conversa que demorou mais de vinte minutos e durante a qual demonstrou acima de tudo um grande profissionalismo. Contudo, teria sido mais deselegante da minha parte se, em lugar de ter arrematado a conversa com um sorriso, me despedisse dela aborrecido, querendo ver-me livre à pressa do género de pessoa que não cativa, por, desde logo, não se rir achando graça às nossas piadas.

Não para ela, mas para a empresa aonde trabalha, andava eu para telefonar há dois ou três dias, em concreto desde a altura em que para tornar a funcionar em condições, uma fotocopiadora lá no escritório exigia uma intervenção ao nível dum técnico especializado, que eu não estava em condições de dar.

E ainda bem! Veio ela ao telefone e cumprimentou-me em nome da Xerox com uma voz simpática, desejando-me um bom dia tal qual eu gostaria de ouvi-la dar-me as boas noites ao ouvido. Depois, não percebi o que lhe passou pela cabeça para chamar-me senhor, que é como não esperamos que nos trate uma pessoa em quem estejamos interessados. E nela, interessava-me tudo o que à sua pessoa dissesse respeito: a cor dos olhos, do cabelo, o peso e a altura, a proporção do peito em relação à altura, até o olhar de reprovação que não faltaria quando, à beira de completarmos um ano de namoro, lhe confessasse que não tinha sido pelo carácter a despertar-me amor à primeira vista.

O dela deve ser o de uma mulher apaixonada, que encontra explicação na força do amor prá vontade de evoluir tornando-se a cada dia melhor. Só por isso, eu tê-la-ia acompanhado de autocarro, numa viagem de catorze horas a Sevilha, só pelo prazer de ouvi-la pedir-me que lhe beliscasse as coxas, quando lhe parecesse que era um sonho estar, ao fim de alguns anos a trabalhar em Lisboa, finalmente de regresso a casa.

De lá, visitaríamos outros locais da sua infância ou, em direção a Cádiz, embarcaríamos num cruzeiro com regresso previsto para 2029, rumo à tentativa de acreditar que viria tão caidinha pelo beiço, que não hesitaria em pedir-me pôr o nome dela no título duma crónica que viesse a escrever a respeito duma viagem de sonho.

Para não desvirtuá-la, não acrescentei nenhum apelido ao seu nome, nem pensei que tivesse um significado diferente do de Maria: senhora soberana, símbolo de pureza e virtude. É que, enquanto profissional desempenhou bem a sua missão remotamente, repondo o normal funcionamento da máquina avariada, representando o seu papel ainda melhor que uma atriz laureada no dia de estreia de uma Peça ou uma jovem numa novela que merece ser salva no final.

Foi preciosíssima, mas enquanto mulher, foi mais longe. Tão perfeita, que seria motivo de inspiração para o autor do enredo de uma série televisiva de sucesso, vista ao longo de muitas temporadas por milhões de pessoas que se tornariam como eu, as suas maiores fans.

FIM