O Melhor do Mundo são as Crianças – O Trabalho Infantil

Olá de novo, caro leitor! Como estão a correr (ou correram) as férias? Se é daquelas pessoas que gosta mais do mês de Setembro para descansar, junte-se a mim! Se para uns é tempo de férias, para outros esse conceito não existe. Alerto-vos desde já que a conversa é séria. A temática não exige menos do que isso. Exige, também, respeito, sensibilização, pro-actividade e um palmo de consciência. Falamos de exploração e trabalho forçado infantil.

O trabalho infantil[1] forçado é umas das maiores preocupações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde que foi fundada pela antiga Sociedade das Nações, em 1919, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial. Segundo o International Programme on the Elimination of Child Labour (IPEC)[2], o trabalho infantil pode ser definido como “work that deprives children of their childhood, their potential and their dignity, and that is harmful to physical and mental development”. Estas organizações e programas dependem da ajuda (monetária) de parceiros, Estados, Governos, benfeitores, ajuda de organizações políticas e de fundos, entre outros.

Para começar, é necessário analisar a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) para percebermos quem é que pode ser considerada como tal e quais as protecções a que uma criança está sujeita. Segundo o Artigo 1º da Convenção, uma “criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”.

De acordo com os últimos dados facultados pelo IPEC, o número de crianças a trabalhar diminuiu um terço desde 2000. Em 2012[3], 168 milhões de crianças eram alvo de trabalhos forçados, 85 milhões das quais em trabalhos considerados perigosos. Desde a construção, passando pela agricultura (98 milhões) e terminando na prostituição, as crianças são um alvo fácil. A Ásia e o Pacífico continuam a ser o número um (quase 78 milhões), seguindo-se a África Subsariana (59 milhões), a América Latina e as Caraíbas (13 milhões) e, por último, o Médio Oriente e Norte de África (9,2 milhões).[4]Poverty and social exclusion, labour mobility, discrimination and lack of adequate social protection and educational opportunity” são alguns dos principais problemas apresentados em relatórios sobre o tema. Actualmente, a OIT, o IPEC e todos os programas activos na luta contra o trabalho infantil estão focados em diminuir o número de crianças afectadas pelos trabalhos forçados considerados perigosos[5], uma vez que colocam em risco a vida das mesmas.

Apesar de estar a diminuir, a luta contra o trabalho infantil tem ainda um grande caminho pela frente. A educação é a chave para que esta luta seja bem-sucedida. Se as crianças estiverem na escola, ocupadas a aprender, têm menos tendência a integrar precocemente o mundo do trabalho, principalmente nos países em desenvolvimento. Não há apenas um factor que explique a persistência deste fenómeno, existe sim uma combinação a vários níveis, que culminam com a existência de redes de tráfico de crianças para trabalho forçado. A emergência está em desenvolver “an integrated policy and programme of action worldwide to provide quality, universal and free education that is relevant and accessible to children of poor families to which the majority of child labourers belong[6]”.

Se analisarmos a Convenção sobre os Direitos da Criança, percebemos que o trabalho infantil, directa ou indirectamente, viola, no mínimo, 11 dos 54 artigos. Existe, inclusive, um artigo específico para a protecção das crianças relativamente ao trabalho. O Artigo 32º alínea 1, diz-nos que “os Estados Partes reconhecem à criança o direito de ser protegida contra a exploração económica ou a sujeição a trabalhos perigosos ou capazes de comprometer a sua educação, prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social”, e a alínea 2 que “os Estados Partes tomam medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas para assegurar a aplicação deste artigo. Para esse efeito, e tendo em conta as disposições relevantes de outros instrumentos jurídicos internacionais, os Estados Partes devem, nomeadamente:

  1. Fixar uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão a um emprego;
  2. Adoptar regulamentos próprios relativos à duração e às condições de trabalho; e
  3. Prever penas ou outras sanções adequadas para assegurar uma efectiva aplicação deste artigo”.

É neste aspecto que se insere a necessidade de uma intervenção do Estado[7] enquanto actor principal na representação dos seus cidadãos e na protecção do bem-estar da sua população. O Estado deve, principalmente, cumprir com a sua obrigação de manter as crianças nas escolas: “os Estados Partes promovem e encorajam a cooperação internacional no domínio da educação, nomeadamente de forma a contribuir para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no mundo e a facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e aos modernos métodos de ensino. A este respeito atender-se-á de forma particular às necessidades dos países em desenvolvimento (Artigo 28, Alínea 3). A educação pode, portanto, funcionar como um instrumento de reabilitação de crianças que, já inseridas no mercado de trabalho, vejam a oportunidade de sair e investir em si e na sua educação.

Existem outros problemas relacionados com o trabalho infantil. Segundo o IPEC, “it also perpetuates poverty and affects national economies through losses in competitiveness, productivity and potential income”. Estudos revelam que as crianças que começam a trabalhar muito cedo, são aquelas que tendem a ter relações sexuais mais cedo, não estando informadas sobre os perigos referentes às infecções sexualmente transmissíveis (IST). Estas crianças acabam também por casar muito cedo e constituir família[8], uma vez que não têm ajuda por parte do Estado.

As entidades empregadoras usam os problemas sociais e familiares, aliados à inocência de “ser criança” para aliciarem os mesmos a ter “um futuro melhor” que, quase sempre, acaba por ser a pior solução e que, de futuro, nada tem. As crianças que se veem obrigadas a trabalhar precocemente são mal pagas (quando o são) e trabalham mais de doze horas, muitas vezes sem pausas para descanso ou protecção e segurança no local de trabalho.

Aliado a tudo isto, existem ainda as redes de tráfico de pessoas para trabalhos forçados ou escravatura[9]. Apesar de ser um assunto tabu e de não haver uma postura vincada por parte da comunidade internacional, a escravatura existe. As maiores redes de tráfico de crianças operam para a indústria pornográfica e de exploração sexual, trabalhos domésticos, guerra (“crianças-soldados”), sector industrial, entre outros[10].

O ano de 2016 é a data imite para acabar com o trabalho infantil forçado considerado perigoso. Mas esta meta não vai ser cumprida. Os dados são incertos e actualizados a cada quatro anos. A OIT disponibiliza, de tempos a tempos, estimativas e tendências para este fenómeno para que se possam ajustar as medidas de prevenção e de acção. Enquanto estas se tornam eficientes, milhões de crianças em todo o mundo continuam a ser exploradas, sem educação, protecção ou saúde. Crianças que trabalham em armazéns, sem condições mínimas de segurança, durante horas a fio, com salários precários, sem direito a folgas ou pausas para descanso, com défice de alimentação e de saúde. Pobreza gera pobreza, e a OIT acredita que crianças nascidas em famílias construídas pelo trabalho infantil acabam por seguir as pisadas dos pais. É um ciclo sem fim que conta apenas com a ajuda de organizações e de programas como a OIT e o IPEC. São sonhos perdidos, génios que se perdem, vidas que não são vividas.

“It is easier to build strong children than to repair broken men.” – Frederick Douglass

 Eu volto dia 16 de Setembro para mais Direitos Humanos. Entretanto, não se esqueça de alertar as suas crianças que estudar é um direito e que, pelo mundo fora, são muitos aqueles que não usufruem da educação por não poderem. Desejo-lhe umas boas férias ou um excelente recomeço de trabalho!

 

[1] A primeira vez que se falou em trabalho infantil foi durante a Revolução Industrial.

[2] Maior programa a nível global e o maior programa operacional da OIT.

[3] Dados mais recentes. Os números apontados pelo IPEC são pouco precisos pois o trabalho infantil é ilegal, tornando difícil a contabilização de crianças afectadas.

[4] Fonte: IPEC

[5] Como trabalho infantil perigoso, o IPEC considera: escravatura, prostituição, actividades ilícitas, trabalhos que possam ferir a criança física e psicologicamente.

[6] A emergência está em desenvolver uma política/programa de acção integrado a nível mundial de forma a oferecer uma educação gratuita, universal e de qualidade relevante e acessível às crianças das famílias mais pobres a que a maioria dos trabalhadores infantis pertencem (tradução livre).

[7] Conceito que surgiu na Europa, durante o século XVI, define-se por ser uma organização política com responsabilidade soberana na condução dos seus próprios assuntos. Um Estado implica a existência de um território, um monopólio de força legítima e burocracia pública vinculada ao respeito do Estado de Direito. É um dos conceitos mais intrincados da Ciência Política e um tem processo de conclusão moroso e complexo.

[8] Muitas das crianças da África Subsariana são órfãs por “culpa” da SIDA. Como tal, veem-se obrigadas a trabalhar desde cedo para sobreviver.

[9] Em 2005, a OIT contava entre 980.000 e 1.225.000 crianças em trabalhos forçados provenientes de redes de tráfico.

[10] Em colaboração com Governos e empresas parceiras, o IPEC está a tentar proteger crianças em risco, tornando as leis mais pesadas e restritas para os países de risco.