Os Valores do Natal

Sobre as ruas das nossas cidades cintilam agora luzes de Natal. Nas praças assentam presépios e enfeites, árvores de natal gigantes e desejos de boas festas ao som de músicas festivas. Os centros comerciais estão cheios, as lojas decoradas e as pessoas passeiam-se por todo o lado com sacos repletos de presentes, vibrantes da alegria da época e dos valores do natal.

Num ou noutro sitio lá se vão vendo os representantes das associações a pedirem algo para os seus. Comida para quem tem fome, brinquedos para as crianças, dinheiro para os custos. E as pessoas dão, porque é natal e o natal é época de dar. Esquecendo-se, quase todos, que quem tem fome nesta época também tem fome no resto do ano, que as crianças brincam todos os dias no meio das suas carências e que os custos das associações, esses, estão sempre lá.

No início, antes da expansão do cristianismo e do natal se chamar natal, esta era uma tradição pagã. Marcava a data do solstício de inverno, a maior noite e o dia mais pequeno do ano. Era celebrado pois era o início do inverno, a partir da qual os dias iriam crescer e a época das colheitas iria voltar. Era uma tradição que celebrava a esperança em algo novo e melhor, novos e melhores dias, novas e melhores colheitas para o futuro.

O cristianismo veio adoptar muitas das tradições pagãs e esta foi uma delas. Como não se sabe ao certo a data do nascimento de Cristo, ele era celebrado em diferentes datas em diferentes lugares. A igreja acabou por o fixar em 24 e 25 de Dezembro, porque era mais fácil converter a tradição pagã ao cristianismo do que simplesmente extingui-la e impedir as pessoas de cumprirem os costumes a que estavam habituadas. A essa festa chamou-se Natal, palavra que deriva de Natividade.

O Natal é a festa da família. Ao contrário da passagem de ano, em que as pessoas saem para a rua e festejam a chegada de 12 novos meses em grandes festas, o Natal é tido como uma época de amor, de estarmos próximos dos que amamos, de perdoarmos a quem nos ofendeu e de pedir perdão a quem ofendemos. Amor, solidariedade, amizade, perdão. Os valores do Natal.

Mas cada vez parecemos mais afastados desses valores. As luzes continuam nas ruas, mas o deus menino já não aparece com a mesma frequência. O dinheiro entra nas caixas das lojas e dos supermercados, mas não na casa dos pobres. A comida em abundância abunda ainda mais em mesas já de si fartas, enquanto as barrigas vazias continuam vazias. Talvez por esta noite um pouco mais cheias, mas em breve vazias novamente.

E o stress, esse, dificilmente nos dá descanso.

Postamos imagens de paz e amor nas redes sociais, muitos “feliz natal” e desejos de boas festas, muitas fotos de famílias felizes e mesas fartas. Mas na verdade a família não está feliz, cada qual no seu canto com seu problema, os irmãos brigados e a tia que não se suporta. A paz acaba assim que se pega no carro e se sai para a rua, tudo o que se quer é chegar mais cedo, mais rápido, antes dos outros não importa o custo. E mesmo quando se chega ao destino cedo, antes de todos os outros, a paz continua a não estar lá.

Caminhamos por entre a multidão nos corredores das lojas e dos supermercados, a comprar as últimas prendas, em busca do presente perfeito e dos melhores alimentos para a ceia sempre a reclamar, a protestar. É a pessoa que não se desvia, é o carro lá fora que se atravessou à frente, é a loja que nunca tem o que precisamos, é a vendedora que não percebe nada disto…

Depois de tudo isto lá voltamos nós para casa, sempre com pressa, sempre a querer chegar mais cedo que os outros não importa o custo, para prepararmos o jantar perfeito e embrulhar aquele presente final que afinal não é perfeito mas está lá perto.

E chega a consoada, a ceia do amor e da solidariedade, em que realmente queremos ajudar e amar-nos uns aos outros e ser mais pacificos no tempo que se aproxima. E o Natal passa e com ele passam os nossos desejos de melhoria. Ficam esquecidos, arrumados com as decorações da árvore, até ao ano que vem.

Voltamos a sair para a rua sempre com pressa, sempre a querer chegar primeiro que os outros não importa o custo, só para caminhar entre multidões com que não nos importamos e que não se importam connosco, só para entrar novamente nas lojas e supermercados em busca não do presente perfeito, mas de qualquer outra coisa que pensamos que vai tornar a nossa vida mais perfeita.

E nós continuamos sem perceber que o que torna a nossa vida mais ou menos perfeita não é o presente ideal ou o peru grande e bem cozinhado na mesa ou a rapidez com que chegamos ao destino, mas a forma como aproveitamos o caminho.

Continuamos sem perceber que o amor e a solidariedade precisam ser valores diários e não apenas reservados a uma época do ano ou para quando acontece alguma catástrofe. Continuamos sem dar valor às coisas que realmente importam, como o tempo que passamos com quem amamos ou em pedir perdão e perdoar. Envolvemo-nos na teia do consumismo, presentes e mais presentes, compras e mais compras, numa tentativa vã de melhorar a nossa vida e a do que nos rodeiam, sem perceber que isso apenas serve para encher bolsos já de si cheios e para fazer crescer o nosso próprio stress.