Reviver o passado nos arredores de Lisboa

Há momentos na vida de uma mulher, em que apetece, em jeito de reflexão, recordar emoções plenas que tenha vivido, muitas vezes ligas ao amor e lá estamos a rememorar um antigo namorado, noutras ocasiões relacionadas com um amigo que se julgava esquecido e chega a tempo de lembrar que quem passou por nós e deixou saudades, tem à espera uma porta de casa entreaberta para poder entrar.

No caso dum ex-namorado, mais vale que duas pessoas não percam a amizade pelo facto de terem deixado de se amar, invocando cada um o direito se atribuir ao outro a culpa da separação. É diferente quando se trata do retorno dum amigo, e por este nutro um sentimento de gratidão, em nome de me ter feito ver que, quando alguém gosta genuinamente de nós, é como um professor que nos poupa ao vexame de ir ao quadro, mandando quem saberá de certeza explicar melhor que nós duma ponta à outra o teorema de Pitágoras.

Conheci António há mais de duas décadas. Bem mais do que há quanto tempo eu aspirava escrever numa história um livro aonde, juntamente com os amigos, constassem os antigos namorados, mas bem menos que o rol de pretendentes ao longo da vida a quem, em sentido contrário, nunca animei com a ideia de um dia podermos vir a namorar. A esses, nunca dei a entender que pudesse vir a gostar de receber versos, nem que seria da forma como me retratariam nessas quadras, que gostaria de vir a ser recordada.

Namorei como era natural naquele tempo uma rapariga gostar de um rapaz, que lhe elevava a auto-estima com elogios à beleza e ao caráter, não raras vezes ligado à arte de bem representar. Os dele, que pretenderam perpetuar-me em verso, eu li e reli com atenção redobrada à mensagem nas entrelinhas, claramente a dizer que me amava.

Nunca lho perguntei, também nunca mo disse, embora diversas vezes me tivesse colocado a jeito de ouvi-lo dizer de voz embargada, mas apenas de uma assentada, que simpatizava comigo ao ponto de achar que devíamos casar. E seria engraçado, ante o meu olhar de espanto, ver que reação teria caso lhe respondesse que não, que me dava muito bem comigo solteira e assim devia permanecer, pelo menos até nos conhecermos melhor. Talvez, de face rubra, reformulasse a pergunta e, meio atrapalhado a trocar os pés pelas mãos, começasse por me pedir em casamento para só no final dizer que me achava simpática.

Acredito que gostou genuinamente de mim, mais do que aquele professor que se levanta e vai ao quadro resolver o problema ao aluno, quando vê que atrapalhado por causa dos nervos, não distingue um número fracionário, duma raiz quadrada. Eu gosto de relembrar quem passou na minha vida deixando boas recordações. Quem vendo que está uma porta entreaberta, ainda assim pede licença e bate antes de entrar.

Acredito que gostou de mim ainda mais genuinamente, do que gostou do professor de matemática, o aluno a quem o docente ajudou com os trabalhos de casa e, mesmo assim, passou com boa nota. Acredito que adorou cada nosso encontro. Acredito porque sim, não porque mo tivesse dito, não porque contasse ouvi-lo em breve, mas por acreditar que quando vinha ter comigo, era por me ver que chegava alegre, até ficar triste na hora em que nos despedíamos e combinávamos voltar a encontrar só dali a uma semana.

FIM