Twin Peaks – A Série de Culto

Foi há 25 anos que estreou a série que mudaria para sempre o paradigma da televisão norte-americana e que serviria de inspiração a futuras e muito aclamadas séries como The Sopranos, Lost, The X-Files ou a série animada, Gravity Falls. Hoje falo-vos de Twin Peaks, a criação de Mark Frost e David Lynch, vencedora de 3 Globos de Ouro, que foi transmitida entre os anos 1990 e 1991 nos EUA por intermédio da ABC, e em Portugal pela RTP.

Twin Peaks era uma pacata cidade do Estado de Washington, composta por 51201 habitantes que a certo dia acordou com a notícia da morte da jovem Laura Palmer. Jovem, bonita e muito respeitada na comunidade, uma boa aluna, uma rapariga respeitadora e a vencedora do concurso Miss Twin Peaks. A sua morte choca muitos dos habitantes da cidade e dita a entrada da personagem principal na trama da história, Dale Cooper, um agente do FBI encarregue de investigar o caso e descobrir quem matou a jovem rapariga. Cooper, brilhantemente interpretado por Kyle MacLachlan, é um investigador com um sentido de intuição muito apurado e uma enorme perspicácia, qualidades desenvolvidas no Tibete onde estivera anos antes. É juntamente com o xerife local, Harry S. Truman, personagem com o mesmo nome de um antigo presidente dos Estados Unidos, que forma a dupla que vai investigar os estranhos acontecimentos da tão misteriosa cidade, onde a morte da jovem rapariga é apenas uma ínfima parte do que está a acontecer. Uma cidade onde todas as personagens parecem ter sempre uma pequena ligação a Laura.

A série pode ser considerada de mistério, drama ou thriller, mas é também composta por momentos de comédia e romance e são várias a personagens que nos fazem rir pelos momentos caricatos que protagonizam, como o Auxiliar Andy, mas também pelas cenas mais lamechas em que constantemente se encontram os diversos casais da série. Como em qualquer série televisiva, há personagens mais bem conseguidas do que outras e, embora as personagens menos marcantes estejam logicamente associadas aos momentos menos positivos da série, as melhores personagens como Dale Cooper, Ben Horne, o dono do Hotel onde o primeiro fica instalado durante a investigação, Leland Palmer (pai de Laura Palmer), Windom Earle (antigo parceiro de Cooper), ou do grande vilão da história, cuja identidade não irei revelar para não estragar a experiência daqueles que nunca visualizaram a série, salvam-na com boas interpretações e momentos geniais, divertidos, ou assustadores.

Twin Peaks

Altos são também os momentos onde a investigação do assassinato leva a descobertas menos óbvias e à interpretação dos sonhos premonitórios de Cooper. Uma característica muito presente nos filmes de David Lynch e que se transforma em momentos estranhos, mas verdadeiramente deliciosos para os apreciadores do surrealismo, do campo espiritual e de experiências paranormais. Momentos que dão que pensar e que ajudaram a tornar a série num objecto de imensa discussão nos anos 90 e não só. A série foi inovadora no tempo em que estreou, e numa altura em que as séries televisivas não estavam tão massificadas como hoje em dia e do mesmo modo em que a internet não era um verdadeiro mar de fóruns e redes sociais, onde os fãs discutissem todos os detalhes e onde spoilers abundassem um pouco por todo o lado. Essa realidade não existia e o hype semanal para saber o que cada episódio iria revelar era enorme.

A morte de Laura Palmer sempre foi o fio condutor da série e aquilo que sempre prendeu a maioria da audiência, no entanto não pode ser resumida a essa questão porque é bastante mais profunda. O objectivo de David Lynch (a cabeça por detrás do projecto, sem querer menosprezar Mark Frost), era revelar o assassino nas partes conclusivas da trama. Acontece que, por influência da ABC e por pressões externas ao realizador, o assassino foi revelado a meio da 2ª Temporada e as audiências desceram a partir do momento dessa grande revelação. Este aspecto teve como consequência a perde de interesse de Lynch no projecto e no desvio daquilo que eram as ideias escritas por ele e por Frost anteriormente. Embora Lynch seja o principal responsável pela história de Twin Peaks, o mesmo realizou muito poucos episódios da série (numa opinião pessoal, os melhores) e os seus planos originais foram alterados, naquilo que penso constituir um verdadeiro bloqueio criativo a uma mente brilhante como a de Lynch e que terá prejudicado a série. Alguns dos realizadores de diversos episódios deixaram questões por responder e apresentaram falhas básicas como objectos que são filmados num take e no take seguinte simplesmente desapareceram do nada, ou vernizes das unhas de personagens femininas que simplesmente mudam de cor entre cenas. Algo que não deveria acontecer.

Twin Peaks

David Lynch voltou a assumir a realização no episódio final a série e mostrou tudo aquilo que poderia ter sido o brilhantismo e mistério da série, caso a realização tivesse sido assumida inteiramente por ele. O final de Twin Peaks, é considerado por muitos, um dos melhores season finales da televisão americana e um episódio capaz de criar debate durante muito tempo. A prova é que 25 anos depois ainda há quem questione o que verdadeiramente aconteceu nos últimos 50 minutos e que o realizador teve de fazer um filme (Twin Peaks: Fire Walk with Me, 1992) que ajuda a explicar os acontecimentos anteriores à morte de Laura Palmer, bem como o final da série.

Tal como Lynch apregoa para todos os seus filmes, aquilo que ele faz é lançar a sua visão sobre determinado acontecimento ou acção mostrando diversos elementos para tal, mas não limita a explicação do mesmo à sua interpretação e intenção pessoais e muito menos, as torna públicas. Aquilo que Lynch faz é lançar elementos que ganham sentido nas ideias de cada espectador e através do significado que cada um dá às imagens que recebe.

Twin Peaks foi um marco televisivo e um ponto de viragem para aquilo que se poderia fazer em televisão. A série tinha tantos fãs que teve direito à sua própria fanzine, denominada Wrapped In Plastic (Embrulhada em Plástico), uma alusão à forma como o Laura Palmer foi encontrada sem vida. Deu origem ao livro “ O Diário Secreto de Laura Palmer” e é presença assídua em listas de melhores programas televisivos de diversos sites e revistas. É um verdadeiro cult show. A sua influência foi enorme para filmes e séries nos anos que se seguiram a 1991. Twin Peaks serviu também de inspiração a videojogos como Max Payne, Alan Wake, The Legend of Zelda: Link’s Awakening, Silent Hill, entre outros. A mais recente prova de que a série chega a diversas gerações é que a banda de indie rock britânica, Bastille, tem um single com o nome de Laura Palmer em jeito de homenagem à personagem e à série.

Recentemente foi anunciado que Twin Peaks irá regressar à televisão pela Showtime em 2017, será realizada por David Lynch e sem tantas limitações quanto a original e terá a presença de alguns dos mesmos actores originais. Sabe-se que terá 18 episódios, mas ainda há a incerteza se será uma continuação da 2ª Temporada ou se será um remake. Caso nunca tenham visto a série original, ainda vão a tempo de o fazer e eu recomendo que o façam. Caso achem que uma série com 25 anos de idade não merece a vossa atenção, esperem mais ano e meio então.

O mais engraçado e intrigante disto tudo é que Laura Palmer diz a Dale Cooper, num dos seus sonhos, que o iria voltar a ver…25 anos depois. Eu mal posso esperar, e vocês?