Cartas Precisam-se…

Caro leitor, antes de mais, quero dizer-lhe que adoro o mês de Outubro, não porque chega o frio e a chuva, mas porque é o mês marcado pela minha vinda ao mundo.

E o que é que isso tem a ver com o título da crónica? Pergunta e muito bem, mas para descobrir vai ter de continuar a ler.

O meu aniversário é no fim do mês. Sim, sou escorpião (já estou a ouvir esses “uiii” desse lado). Por ser nesta altura, torna-se sempre complicado tentar adivinhar como vai estar o tempo, porque neste mês o São Pedro parece que gosta de se divertir a intercalar dias de outono com dias de verão. Já festejei de gola alta, noutros anos de t-shirt e calções… é sempre uma incógnita.

Este ano, mudo a página enquanto escrevo esta crónica para si, para lhe falar sobre cartas e o quanto gosto de as receber.

Hoje em dia, é sempre uma desilusão “meter a mão” na caixa do correio, porque das duas uma… ou são contas para pagar (certo??), ou publicidade que não interessa a ninguém.

Onde está a magia das cartas de amor? Das cartas de quem está longe? Dos postais?

Sempre achei mágico o universo das cartas e ainda sou do tempo em que se escrevia ao Pai Natal e os CTT amavelmente mandavam uma resposta automática para alimentar toda a crença infantil da existência do homem das barbas brancas que dá presentes.

Infelizmente a linha do tempo da minha vida é inversamente proporcional ao número de cartas que se enviam e recebem.

Vivemos na era do e-mail, da sms, do whatsapp, do Snapchat, do Facebook, do Twitter… e tantas outras ferramentas à nossa disposição, que nos permitem em segundos entrar em contacto com alguém.

É claro que não sou antiquada ao ponto de não aceitar a evolução natural, o rumo que a tecnologia tomou, e é claro que faço uso de parte dessas ferramentas todos os dias e reconheço que tornam mais eficaz e rápida a troca de mensagens. Mas perdeu-se a ansiedade… a ansiedade pela chegada do carteiro. Moro numa pequena aldeia, onde a única coisa que se houve durante o dia é o canto dos pássaros, um ou outro carro que vai passando e a mota do carteiro. Sempre que o oiço chegar começo a imaginar o que traz… Será que traz alguma coisa para mim? E que histórias carrega dentro de cada envelope?

Não sei explicar este meu fascínio pelas cartas, mas talvez tenha a ver com a minha pré-adolescência. Quando estava na escola básica, recordo-me que houve uma altura que, nas férias de verão, trocava correspondência com uma amiga. Enchíamos sempre uma folha A4 ou A5 e por norma as cartas faziam-se sempre acompanhar de um desenho (quer dizer… ela tinha mais jeito do que eu, os meus desenhos assemelhavam-se a pinturas rupestres).

E agora vou explicar-lhe porque é que o mês de outubro tem a ver com o título desta crónica. Estava a ver que não, não é?
Há que manter o suspense.

cartas
“Não vão acreditar… Naquele dia, havia um monte de cartas à minha espera… todas da minha família.” Fotografia da autora a algumas das cartas que recebeu.

Pois é caro leitor, quando faço anos nunca ligo muito aos presentes, nem fico muito sentida se a data passar ao lado de alguém, afinal, ninguém te saber de cor quando toda a gente faz anos certo?

São as coisas mais simples que me comovem, que me surpreendem, e ao longo da minha vida, tenho sido acarinhada das mais diferentes formas, e todos os que me rodeiam, tornam sempre o dia do meu aniversário num dia especial, com mimos e surpresas.

Ao chegar aos 20 anos, tive uma das mais marcantes e inesquecíveis surpresas. Na altura estava a fazer a minha licenciatura em Leiria, estava longe de casa, longe do suporte da família.

A minha segunda morada era um quarto nas residências para estudantes. Para sabermos se tínhamos correspondência tínhamos de nos dirigir à receção central, algo que fazia frequentemente.

Não vão acreditar… Naquele dia, havia um monte de cartas à minha espera… todas da minha família.

Arrepio-me só de me lembrar das emoções que vivi, de cada lágrima de felicidade que cada carta me trouxe. Tenho a melhor família do mundo, não posso negar.

Mas… Tenho também os melhores ouvintes do mundo! Sim, ouvintes, leu bem!
Tenho o prazer de colaborar com uma rádio local, onde já fiz locução num programa de discos pedidos. O contacto podia ser feito via sms, e-mail ou carta, e adivinhem qual era a forma em que mais gostava de os receber? Carta, claro!

Fotografia da autora na rádio em que trabalha, a Rádio Voz de Alenquer, com as cartas que recebeu dos ouvintes.
Fotografia da autora na rádio em que trabalha, a Rádio Voz de Alenquer, com as cartas que recebeu dos ouvintes.

Houve um dia, em que cheguei à rádio e tinha uma mão cheia delas à minha espera, e ninguém consegue descrever a sensação que senti.

Para mim este universo é realmente mágico, não vos sei explicar porquê, mas acredito que desse lado haja alguém que sente o mesmo.

É tão estranho pensar que há uns anos, e não foram assim tantos, as cartas eram praticamente a única forma de comunicação que havia, e agora está tudo à distância de cliques…

Espero que não deixemos morrer a troca de correspondência…
Gostava que para todos nós a caixa de correio fosse um sítio mais especial, do que apenas um depósito de contas por pagar…

Voltamos a encontrar-nos em breve, por entre linhas e sorrisos.
Margarida Gaspar