Os Videojogos em 2050

A tecnologia avança a passos largos e a uma velocidade estonteante, e se há prova dessa evolução, encontra-se certamente na indústria de videojogos. Nos últimos 20 anos muito aconteceu no mundo virtual, e se compararmos o que marcou os videojogos nos anos 90 com que se passa hoje em 2016, estamos na presença de um mundo totalmente novo, e lucrativo, que começa a fazer parte das nossas vidas, quer joguemos de forma hardcore ou através de um jogo meramente casual no nosso telemóvel. E com um avanço tão acentuado, é difícil não sentir curiosidade em prever o futuro. De que forma irá a tecnologia dos videojogos evoluir até 2050?

Esta crónica é apenas uma espécie de previsão para o futuro, e é certamente do conhecimento geral, que estas previsões tendem a falhar porque todos nós estamos involuntariamente presos ás concepções características do nosso presente. Quem é que ainda não viu as célebres ilustrações criadas para a Exposição Universal de 1900 que utilizei na crónica onde abordei a saga de Regresso ao Futuro? Os ilustradores, presos ao seu presente, acabaram por visionar um ano 2000 onde bombeiros munidos de asas apagavam fogos, pessoas faziam corridas náuticas montadas em carapaus e tudo o que era ensinado nas escola era inserido no cérebro dos alunos usando uma qualquer tecnologia que envolvia o rodar de uma manivela. É certo que imaginar a tecnologia disponível em 34 anos é mais fazível do que prever o que se passará em 2116, mas há muitas variáveis a ter em conta. Interpretem este texto como uma possível cápsula do tempo, que em 2050 poderá ser desenterrada, e com sorte, escapar apenas por uma unha à realidade, ou ser tão descabida que só arrancará sorrisos aos futuros leitores. Mas adiante…

A Gamification das nossas vidas!

Asphalt-Green._PaviGym

A vida não é tão mais interessante quando se torna lúdica e um desafio saudável e divertido? Certamente, e no futuro é bem possível que jogar tome conta das nossas acções mais básicas. Hoje já existem algumas formas de transformar pequenas acções no mundo real em autenticas competições, o caso mais flagrante poderá ser o ginásio Asphalt Green em Nova Iorque, que transforma o exercício físico numa oportunidade para juntar o workout a uma experiência arcade, que permite aos seus frequentadores competir para atingir o melhor score. As vantagens em relação a um ginásio normal estão desde logo evidentes, porque a diversão acaba por disfarçar todo o cansaço e motivar o exercício através de um disfarce lúdico.

Há também um lado mais obscuro desta gamification, como por exemplo, a realidade nipónica, que oferece casas de banho equipadas com videojogos que utilizam o fluxo da nossa urina como forma de controlo. Não acredita? Ora veja… Aqui começa também a nossa percepção da fronteira moral deste futuro. Alguns destes jogos inseridos no mundo real poderão em 2050 contribuir de forma positiva para as nossas vidas, suavizando as actividades mais chatas do quotidiano e contribuindo para uma melhor percepção dos nossos deveres cívicos. Ganhar pontos num jogo por proceder à reciclagem, ou por passar em todas as passadeiras de peões no caminho para o trabalho. Estas pequenas coisas podem ser benéficas, e outras serem apenas uma adição banal e alienígena, como ganhar pontos por proceder a necessidades fisiológicas. Serão todas as actividades dignas desta abordagem arcade? Será certamente uma questão no futuro, e possivelmente em 2050!

Muitas aplicações nos nossos dispositivos de eleição antevêem este futuro, e adicionam algum grau de profundidade ás nossas actividades, especialmente através da realidade aumentada. Os Google Glasses, por exemplo, adicionam informação pertinente ao nosso dia-a-dia directamente no nosso campo visual e os nossos tablets e smartphones interagem com pequenos códigos QR que nos adicionam informação pertinente sobre determinado assunto e expandem a nossa percepção. Esta tecnologia já é usada em museus para gerar informação adicional sobre determinadas peças de uma exposição.

Outras experiências mais especificas de videojogos como Pokemon GO permitem caçar Pokémon no nosso mundo real, o que para já está dependente do nosso telemovel ou tablet. Mas não haverá um perigo substancial quando mundo real e virtual se conjugam de forma tão flagrante? Por exemplo: e aquele atropelamento porque fulano estava a caçar um Charizard e não viu o sinal vermelho? Muitas questões parecem surgir se explorarmos o fenómeno da realidade aumentada, mas parece evidente que…

A realidade aumentada vai matar a realidade virtual!

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O titulo poderia adequar-se na perfeição ao tema Video Killed the Radio Star, a one-hit wonder dos Buggles, mas não é descabido pensar que poderá acontecer em 34 anos. A realidade virtual não é algo completamente novo, embora tenha voltado em força auxiliada por um medium chave para a sua proliferação. Alguém se lembra do Pavilhão da Realidade Virtual da Expo 98? Pois, a realidade virtual já cá esteve, a diferença está na tecnologia utilizada, que é agora muito mais cómoda para as carteiras. A realidade virtual não foi a única a ter uma pequena chama nos anos 90, também o 3D chegou a ser implementado ao ponto de RTP transmitir alguns programas em horário nobre preparados para quem tivesse óculos 3D anaglifo, ou seja, o arcaico 3D simulado por duas cores, o vermelho e azul. Não teve a adesão pretendida e caiu no esquecimento, regressando em força com uma nova tecnologia que agora é usada em ecrãs de cinema ao ponto de se tornar irritante.

Com estas oscilações que se assemelham ao difícil arrancar de um carro depois de três ou quatro voltas à chave e uma troca de bateria, o 3D já é regra e a realidade virtual dá este ano o seu principal passo, criando fortes raízes a uma plateia que anseia por algo novo. Depois de Oculus Rift e SteamVR, a realidade aumentada parece uma evolução natural que não limita o jogador à utilização de toda uma parafernália de hardware ligada ao corpo, mas sim um conjunto de dispositivos que transformam uma sala de estar naquilo que bem entendermos.

A imagem que ilustra este segmento é retirada do filme Her, um dos nomeados para óscar em 2014, e se olharmos para a cena é bem provável que seja uma realidade em 2050. Parece tratar-se de uma simples projecção, mas é possível que exista uma tecnologia um pouco mais avançada para carteiras mais exigentes, que consista não numa mas em várias projecções, tal como num sistema de som surround. Eventualmente, numa vertente mais avançada, as próprias paredes de uma divisão possam ser equipadas com tecnologia que reproduza e projecte imagem transformando completamente o nosso conceito de sala de estar. Segundo o filme um simples mexer de mãos é suficiente para que a personagem se movimente, mas é toda a evolução tecnológica que fará a diferença no momento em que o dispositivo interpretar esse gesto.

Para já toda a tecnologia de movimento disponível é até certo ponto arcaica, não responde ao nosso movimento natural, é preciso algum esforço e coordenação e pode sofrer de um pequeno delay. Jogos como Just Dance podem ser um problema quando saímos por segundos do alcance do sensor. Conseguir um equipamento de captura de movimento que seja preciso, e cubra um ângulo de 360, poderá ser uma realidade ao alcance de todos em 2050. 

 AI evoluída, com a vantagem de não ter representação física que nos possa eventualmente destruir…

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Hoje falamos com Cortana e Siri no nosso dispositivo móvel e a robot Sophia quer destruir a humanidade! Maldita Skynet! Se olharmos para a cena de Her outra vez podemos imaginar que há uma espécie de programação avançada que dita as acções da personagem no videojogo ao ponto de haver uma reflexão artificial sobre aquilo que o rodeia e sobre aquilo que o jogador diz, mesmo que seja tudo na base do mau palavreado. A tecnologia actual permite que Cortana responda às nossas perguntas mas a mesma não é capaz de assimilar e analisar aquilo que lhe transmitimos, limita-se a associar as nossas palavras e a transmitir uma mensagem que até certo ponto foi pré-concebida.

Toda a concepção dos videojogos podia mudar substancialmente através de uma evolução da AI, com personagens que analisam as nossas acções de forma mais humana e capazes de desenvolver um grau de personalidade mais avançada que mudasse de acordo com a nossa influência e as nossas acções. Para 2050, é provável que ainda não exista uma inteligência artificial completamente desenvolvida ao ponto de se aperceber da sua existência mas haverá possivelmente algo mais avançado do que aquela que assombra qualquer NPC de The Elder Scrolls: Skyrim e que possa até certo ponto absorver a informação e reflectir artificialmente sobre ela.

As possibilidades da AI podem tornar-se infinitas, e se analisarmos jogos como Middle-Earth: Shadow of Mordor (2014), que introduziram orcs capazes de mudar as suas tácticas e interagir numa cadeia de rivalidades e vingança, percebemos que a evolução poderá passar por fazer com que estes orcs cheguem às suas próprias conclusões, analisem o cenário mesmo que de forma arcaica e dispensem um pouco o que está pré-definido para acontecer em situação x e y. Esforços estão a ser feitos nesse sentido, dentro do possível pela tecnologia actual de forma a dar um certo twist a jogos que o possibilitem.

Espera-se, no entanto, que uma futura AI consciente não saia do mundo virtual, porque como disse Frank Herbert na sua saga de DuneThou shalt not make a machine in the likeness of a human mind. (“Tu não farás uma máquina à semelhança da mente humana”). Haverá também nessa altura uma discussão moral sobre o assunto que poderá testar a humanidade mas que para já parece irrelevante…

A extinção do teclado e rato?

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A chegada dos tablets e dos smartphones mostrou que o teclado e o rato, pelo menos na sua forma física, poderão acabar por perder o seu uso. Esta é talvez a previsão mais difícil pois se olharmos para o teclado, este tem sobrevivido a várias evoluções tecnológicas desde a invenção da maquina de escrever. Se a pergunta for: Será que o teclado e rato se vão extinguir? Não! Mas em termos de videojogos, é provável que percam o seu uso.

Teclados de projecção virtual, como o representado acima, já existem e são possivelmente a visão do futuro para o dispositivo, mas apenas para actividades menos exigentes. A virtualização do rato também será possível, mas para um gamer o tacto e a precisão não serão certamente as mesmas e requerem outro avanço de hardware.

Se a tecnologia de captura de movimentos que já vimos acima se desenvolver até 2050, poderá não haver espaço para o rato e para o teclado na gaming scene, mas muitos poderão ser os que resistem sempre que tiverem opção para isso, e sendo a combinação perfeita para jogar no PC, a resistência poderá ser bastante assinalável.

As competições de videojogos vão ganhar importância (Bónus)

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Não é difícil de antever tal cenário, especialmente nas ultimas semanas, quando a RTP anunciou que iria criar uma plataforma dedicada à transmissão de esports e transmitir um magazine dedicado ao gaming. Isto mostra que a televisão nacional pública está a olhar para o futuro. A transmissão de campeonatos de videojogos não só já é um fenómeno em países como a Coreia do Sul (Starcraft é considerado desporto nacional!) como parece estar aos poucos a alastrar-se pelo mundo. A introdução da realidade virtual no modo espectador de Dota 2 é também uma oportunidade de conjugar as novas tendências na área, onde observar um jogo poderá ser tão espectacular como jogá-lo. Poderão as competições ultrapassar o amor pelo futebol nacional? Não em 2050, com toda a certeza! Mas ganhará certamente relevância, e poderá eventualmente, expandir a sua oferta como modo legitimo e eficaz de negócio para canais dedicados.

O futuro parece risonho para o gaming, mas será que em 2050 não terá surgido um avanço tecnológico que ninguém conseguiu antever e que mudará para sempre o nosso futuro, como aconteceu em várias ocasiões na nossa história, e mais recentemente com a chegada da internet? Ficaremos de guarda, e em 2050 “desenterraremos” esta cápsula do tempo para rir um bocadinho do futuro que parecia tão certo.

Volto para o próximo mês com mais videojogos…