Red Dead Redemption 2 – O Jogo de uma Geração (Review)

O ano é 1899. O Faroeste está a ser conquistado pela civilização e a constante desordem está a ser substituída pela lei. Arthur Morgan está prestes a enfrentar a demanda da sua vida e para o jogador que o controla, a aventura será mais do que uma odisseia épica com uma narrativa inteligente e cativante. Red Dead Redemption 2 é sequela em número, mas na verdade antecede a história do original em mais de 10 anos. Será a nova aposta da Rockstar Games se destaca de outras franquias da companhia? E de que forma podemos considerar este videojogo o grande candidato a jogo da década, como muitos apregoam?

Red Dead Redemption 2 pode começar de forma lenta, mas está apenas a construir relações e a estabelecer o seu passo. A história não é apenas grande, é talvez uma das maiores algumas vez tentadas, para testar um público que pede sempre por mais, e já não se contenta com meras demandas de 10 a 20 horas. Sem dragões nem sistemas de RPG complexos, compromete-se a acentuar o realismo e a mostrar uma história humana, de traições, violência e moralidade, seguindo Arthur Morgan, um veterano do gang de Dutch van der Linde, nos altos e baixos que se avizinham.

Embora a história estabeleça linearidade, não é possível negar que a jornada tem um efeito cinematográfico sem precedentes e a longa narrativa acentua não só as relações pessoais de Morgan com todo o gang, mas também do próprio jogador com todos intervenientes dando-lhe uma noção de passagem de tempo e de construção pessoal. Da emancipação feminina de um mundo controlado por homens, à passagem de testemunho a um ainda jovem e inexperiente John Marston, todas as pequenas missões acrescentam valor inestimável à narrativa e, até o conteúdo opcional marca presença em momentos específicos, influenciando esporadicamente a história principal. É provavelmente um dos jogos mais bem escritos desta geração, sem grande concorrência! Todas as pontas soltas que poderiam gerar erros de continuidade são de forma clara ligadas ao original de forma tão sublime, que voltar a Red Dead Redemption poderia soar a continuação directa não fosse a traição dos gráficos e sistemas mais rudimentares de 2011.

Enquanto assistimos à ascensão e queda de Dutch van der Linde e do seu gang, Arthur Morgan tem à sua disposição um mundo que merece ser explorado até à exaustão. Red Dead Redemption 2 apresenta um dos jogos mais estrondosamente bonitos da geração, devendo-se muito à luz, que tem impacto em todas as horas do dia e em todas as condições atmosféricas. O realismo das pegadas na neve, ou da chuva que deixa as pequenas vilas enlameadas, nada foi deixado ao acaso. Infelizmente, o jogo não oferece um Photo Mode conveniente que permita parar o jogo momentaneamente, é necessário esconder a interface ou usar uma câmara tão rudimentar quanto as de finais do século XIX para obter resultados paisagísticos. Obstante da inconveniência, o jogo não deixa de oferecer paisagens naturais e industriais de encher o olho, aumentadas pelo modo câmara cinematográfica para acentuar o western. A Rockstar tem muito a ganhar com a sua política de mundo imaginário baseado no real. Só assim é possível simular as diversas paisagens e climas sem comprometer escalas reais, e isso resulta neste videojogo como tem resultado com Grand Theft Auto na sua Los Santos. Red Dead  2 apresenta um mundo imaginário contruído pelas bases da coesão histórica.

Em termos de conteúdo Red Dead Redemption 2 é a prova viva de que um mundo tão amplo e selvagem pode ser interessante sem que para isso esteja rodeado de quests ou problemáticas de grande complexidade narrativa. Do inóspito surgem pequenas situações e oportunidades para salvar ou arruinar a vida de inocentes e criminosos. E esse mundo reage a Arthur Morgan reconhecendo as suas atitudes e motivações. Numa estrada ou encruzilhada pode surgir uma emboscada, ou uma pessoa em apuros. Numa situação particular um homem deitado no chão grita por ajuda, o jogador vai em seu auxilio e descobre que este foi mordido por uma cobra venenosa. Estás nas mãos do mesmo decidir se deve gastar alguns dos seus mantimentos, sugar o sangue pela ferida, ou deixar o sujeito à mercê dos elementos. Surpreendentemente, depois de salvo e passadas dezenas de horas, o homem volta a ser encontrado por Arthur exactamente na mesma situação num local diferente, e quando isso parece ser resultado de um simples algoritmo aleatório que activou a mesma situação episódica, o homem reconhece o protagonista e fala sobre o seu duplo azar, pedindo novamente ajuda.

E se o mundo já é vivo o suficiente, cheio de assaltos a acontecer e alguns episódios hilariantes com membros do Ku Klux Klan, o sistema de moralidade analisa todos o comportamento de Arthur e influencia pequenos elementos, desde o loot, aos preços praticados pelos comerciantes. Cometer um crime à vista de todos leva outros NPCs presentes a reportar o crime às autoridades. Se o crime for ligeiro, é possível ameaçar a testemunha e impedir que as forças policiais persigam Morgan. Noutras situações o jogador pode entregar-se e cumprir a sua sentença. No entanto, a gravidade do crime influencia a maneira como a autoridades reagem e, no calor dos acontecimentos, pode não haver margem para negociações. Em Red Dead Redemption 2, é mais difícil ser honrado que criminoso e a história acaba por criar algumas situações, onde ter a cabeça a prémio é inevitável. No entanto, é possível pagar o valor da recompensa num posto de correio de forma a acabar com a perseguição e reconquistar acesso a alguns serviços que ficam vedados ao jogador.

Fora da civilização, Arthur Morgan é encorajado a sustentar o gang através de várias actividades. Com a caça e pesca é possível sustentar o acampamento do grupo de Dutch van der Linde, que pode ser evoluído com os materiais provenientes. A caça é também o mais realista possível, não só em termos de habitat, mas também porque a arma e a condição do animal influenciam a qualidade do material adquirido. Matar um coelho com uma caçadeira vai com certeza destruir a pele e os órgãos, mas usar uma espingarda com balas mais pequenas manterá o animal intacto. Outros animais depressa passam de presa a caçador. Desde ursos a pumas, há grande possibilidade de mudar o rumo de uma caçada para o completo massacre. Há ainda um grande leque de animais lendários, alguns deles de grande porte e perigosidade. Para caçá-los é necessário encontrar pistas no seu território, alguns dos mais perigosos são até introduzidos na história e podem à posteriori ser perseguidos. A pesca funciona também de forma bastante realista, são necessários iscos próprios para o tipo de água, e os peixes lendários, embora menos perigosos, necessitam de paciência, pois as dinâmicas de pesca obrigam a uma certa coordenação.

Em quase todos os actos da história o acampamento muda de local e obriga o jogador a perceber as novas dimensões do mesmo, esta é também uma oportunidade para explorar novas regiões e caçar novos animais. No vasto mapa de Red Dead Redemption 2 aconselha-se o melhoramento que facilita o fast travel, uma vez que todos os transportes são pagos, e através do campo, a jornada para o destino torna-se grátis. A exploração do mundo e o grau de liberdade é da total responsabilidade do jogador. Há momentos onde pode ser fortuito continuar a simplesmente a história, e embora as actividades e desafios relacionados possam ajudar a melhorar as actividades do jogador, não é obrigatório adoptar todos os elementos de sandboxRed Dead 2 pode ser jogado por alguém que procura uma experiência linear, ou por aquele que depositará centenas de horas a desfrutar dos detalhes e referências. Essa oportunidade de escolha é neste caso mais importante do que uma narrativa rodeada de ramificações e vários finais.

Explorar as cidades e pequenas aldeias tem também o seu numero de recompensas. Desde a necessidade de comprar munições e novas armas, a comer uma bela refeição no saloon mais próximo, ou até a perder ou ganhar dinheiro num jogo de poker ou blackjack. Os hotéis oferecem banhos aos aventureiros depois de dias em terras de ninguém, e uma noite de descanso facilita outra das dinâmicas do jogo. Arthur Morgan tem um conjunto de necessidades e a sua saúde e eficácia estão relacionadas com as cores do jogo. Estar mal vestido para a neve ou para o calor abrasador, ou estar muito tempo sem comer ou dormir afectam a sua habilidade, peso e aparência. A saúde destas cores pode ser controlada mas alguns factores podem tornar o dano irreversível até descansar em condições, ou por necessidades narrativas.  Visualmente, a barba e o cabelo crescem e possibilitam uma variedade de estilos. Já a sujidade de uma queda numa poça de lama ou vários dias sem nadar num rio ou tomar banho num hotel, contribuem para uma personagem mal cheirosa, algo que será apontado com escárnio nas várias povoações.

Tal como os carros de GTA, os cavalos podem ser alvo de customização, com as mais variadas selas, e embora mantenham a sua cor original, alguns adornos podem ser coloridos com as cores mais berrantes possíveis. Também as armas podem ser melhoradas e convertidas em máquinas de matar mais eficientes, com a possibilidade de banhar qualquer pistola ou espingarda a ouro. Com o uso as armas vão ficando gastas e necessitam de limpeza, que pode ser efectuada pelo jogador ou em qualquer vendedor da especialidade.

O combate, algo essencial num jogo de pistoleiros, não foge da já normal formula de Rockstar. Muito semelhante a GTA V, o sistema de cover continua a ser uma obrigatoriedade, mas nem mesmo assim Arthur se protege de balas perdidas. O slow motion de Max Payne continua a vingar e a seguir a formula utilizada em  Red Dead Redemption. O dead eye, com a sua própria core associada, continua a ser uma das formas mais satisfatórias de despachar vários inimigos numa só roleta de revolver. Este é o único elemento irrealista do jogo, juntamente com a velocidade de reload de algumas das armas. Para manter um sistema tão recompensador é necessário existirem cedências e nada é mais festivo que ver o tiroteio a parar para mostrar um headshot perfeito. Não chega certamente ao detalhe de Sniper Elite, mas a carnificina é assustadoramente prazerosa. A inteligência artificial é por vezes bastante ridícula, especialmente porque alguns segmentos da história levam a querer que um pequeno de grupo de pessoas pode fazer face a uma horda infindável de inimigos. Deus Ex Machina! São os clichés deste e de muitos argumentos e sistemas, e há uma queda de realidade associada que não pode ser ignorada. Embora a história torne os desafios enfrentados por Arthur mais difíceis em termos narrativos e pessoais, o combate nunca pareceu ascender em dificuldade. Também o combate corpo a corpo mantêm uma formula simples, entre ripostar e agredir, sendo por vezes mais ensaiado pela logística da história.

Todos os sistemas e acções são acentuados pela qualidade das animações, que apresentam um detalhe pouco visto. Embora as animações faciais das personagens nem sempre resultem de grande complexidade, as movimentações do jogador acompanham o ínfimo pormenor. Muito se fala da genitália de cavalos, que recolhem com o frio, mas há também excelentes animações no simples acto de cortar a pele a um animal, ou colocar uma arma na sela do cavalo. Tudo isto contribui para o realismo que a Rockstar procura.

Red Dead 2 tem, como seria de esperar, alguns bugs característicos de um open-world. Na primeira hora, um erro de animação fez com que um cavalo andasse de lado até ao infinito, criando também uma parede invisível entre Arthur e o mesmo. Os cavalos continuam a ser os animais mais tendenciosos a provocar bugs, mas é refrescante dizer que em realismo são animais bem conseguidos na sua movimentação e jogabilidade. Passadas dezenas de horas um cavalo raro decidiu atravessar-se à frente do comboio quando Arthur saiu inadvertidamente pelo lado oposto à estação. Todas estas situações tornam-se inconvenientes, mas são também parte da magia de forma hilariante. Para um jogo em tão larga escala bugs são espectáveis, e em nenhum momento quebraram a progressão do jogo.

O som é também um actor por si, especialmente porque Red Dead 2 sabe como usar aliar o ouvido à história que quer contar. Em termos de design, estar em comunhão com a natureza é uma experiência transcendente. Embora ouvir o som da água e do vento transporte o jogador para o inóspito, também um rugido de um urso provoca um medo sem precedentes, como se por dois segundos fôssemos de facto Arthur Morgan perdidos numa qualquer tundra real. A exploração traz temas ambientais que têm inspiração “hollywoodesca”, mas nunca intrusiva e tal como Red Dead Redemption, a música aparece em momentos chave, cantada com sentido e capaz dos maiores arrepios na espinha.

Passadas dezenas de horas, o que é de facto Red Dead Redemption 2? Possivelmente uma das melhores experiências open word da década e, talvez, de sempre. Com uma história bem escrita e longa o suficiente para que o epílogo seja por si só um jogo isolado no seu direito próprio. A escolha e comportamentos de Arthur podem não impactar a história de forma derradeira, mas a liberdade e variedade do mundo circundante torna possível viver as consequências dos mais pequenos actos. Selvagem e industrial, poucos são os mapas que concretizam o que a nova obra-prima da Rockstar consegue atingir. Visualmente luxuriante, prova que é possível criar um mundo interessante sem necessidade de actividades delineadas e escritas em pequenos argumentos e missões secundárias. Existem certamente, mas é na exploração sem rumo que Red Dead 2 tem mais a oferecer. Um jogo obrigatório e no que concretiza e se compromete, um exemplo de “perfeição”, e o primeiro sólido 10 em 10 da história do Ideias e Opiniões. Não há jogos perfeitos, mas há sem duvida casos, em que todos os esforços devem ser feitos para poder desfrutar de uma obra-prima.

Nota: Todos as capturas de ecrã foram feitas na PS4 Pro.

Volto brevemente com mais videojogos.