Star Wars: Os Últimos Jedi – “Não vai acontecer da maneira como tu pensaste.” (Review)

Não há nada mais perigoso para o crítico de cinema, do que deixar que o fã que há dentro de si se interponha na sua análise. Star Wars: Os Últimos Jedi é um caso perigoso, onde facilmente o amor pela saga pode causar algum desconforto e confusão. O que um fã construiu na sua expectativa não pode, nem deve, interferir com a análise da fita, nem de forma positiva, nem negativa. O oitavo episódio da saga de Star Wars é talvez o mais agridoce de todos os títulos da franquia, não porque sofre de alguma falha grave no seu todo, mas porque é diferente, corre riscos, e destrói as nossas expectativas em relação a personagens que acompanhamos durante décadas. Com os críticos a darem o seu aval, mas com os seus fãs em completo alvoroço, o que há a retirar de Os Últimos Jedi? (Poderão haver pequenos spoilers).

 

Título Original: Star Wars: The Last Jedi

Ano: 2017

Realizador: Rian Johnson

Cinematografia: Steve Yedlin

Produção: Kathleen Kennedy, Ram Bergman, J.J. Abrams

Argumento: Rian Johnson

Actores:  Daisy Ridley, John Boyega, Mark Hamill

Música: John Williams

Género: Ficção Cientifico

Ficha Técnica Completa

 

Os Últimos Jedi começa onde o seu antecessor acabou, e isso é relativamente novo para saga Skywalker, que normalmente deixa anos, ou até mesmo décadas, de intervalo entre filmes. Mesmo com a destruição da Starkiller Base, a Resistência continua a sua luta pela sobrevivência, abandonando a sua base sobre o iminente ataque da Primeira Ordem. Deste conceito nasce uma nova narrativa que cobre um muito curto espaço de tempo, talvez o mais curto de toda a saga! No meio dos alicerces desta fuga desesperada surgem novas personagens e novos enredos, por vezes sem o devido trato e complexidade que estes merecem, ecoando vários conceitos característicos deste universo. Lado a lado, um foco de história mais isolado apresenta Rey, no seu encontro com Luke Skywalker, um momento de descoberta não só para ela, mas para toda uma audiência que durante três décadas, reais e fictícias, pouco soube do agora relutante Cavaleiro Jedi. A surpresa é um misto de receio e antecipação, que deixa a sua marca e dá ao filme os seus melhores momentos.

Para grande infelicidade nem todas as dimensões da história são bem executadas e algumas causam algum desinteresse, como se estivéssemos de volta à cabine de Anakin Skywalker, dentro da nave de controlo da Federação de Comércio no desejo de ver novamente Obi-Wan e Qui-Gon a lutar com Darth Maul em A Ameaça Fantasma, com a diferença que esse sentimento se reflecte numa boa hora de filme. Há mérito que baste, mas segmenta-se por fases e medidas consoante o foco e a personagem apresentada. A intriga no planeta casino é, talvez, umas das sequências mais fracas de toda a saga, onde as várias problemáticas que poderiam ecoar também no nosso mundo real pela sua complexidade são diluídas no efeito Disney. De personagens demasiado envoltas em comicidades, a momentos de humor que quebram o tom, há sem dúvida um doseamento inapropriado de emoções, mesmo numa saga que sempre teve os seus momentos de humor e as suas criaturas cómicas. No entanto, existem momentos cómicos bastante bem-vindos, nos seus momentos acertados e bem característicos da franquia.

Com alguns elos de ligação entre as diversas personagens, mesmo quando separadas nos seus respectivos desenvolvimentos e locais, há algumas opções que deixam uma certa amargura, especialmente porque a mudança de argumentista tem um efeito inesperado sobre toda a antecipação deixada por O Despertar da Força. Muito do processo criativo de J.J. Abrams é desvalorizado, ou eliminado sem responder às perguntas essenciais, e com ele afundam personagens outrora tomadas como importantes para uma trilogia completa em três filmes. É uma narrativa que remata antecipadamente um conjunto de questões básicas, deixando outras tantas mais complexas por responder. No seu epílogo o filme deixa a audiência e principalmente os fãs, sem um pilar que possa causar antecipação para um novo capitulo.

A destacar pela positiva está curiosamente a mesma narrativa, e na maneira como atribui uma nova visão às diversas personagens. Não há falta de desenvolvimento para muitas delas, se bem que para algumas das escolhas impera a incredibilidade dos fãs, que pode sem dúvida ser traduzida pela frase mais icónica de Luke Skywalker em todo o filme, Não vai acontecer da maneira como tu pensaste, e para o bem e para o mal, a frase define Os Últimos Jedi com precisão cirúrgica. Existem sequências inteiras de pura magia e nostalgia, para aqueles que seguem a saga desde tenra idade e, que respiram o legado dos sete filmes que o antecedem. Mesmo onde a surpresa trai o fã, há mérito na abordagem à saga e no processo criativo que leva ao final minado por tão infeliz plot twist. Houve coragem, mesmo nas falhas…

Em Os Últimos Jedi há também mérito na realização, com os planos tão tipicamente Star Wars, com passagens de cena clássicas e um cuidado minucioso no detalhe. Não há dúvidas que estamos na presença de um filme do mesmo universo, mesmo que muitos fãs neste momentos gritem pela sua exclusão do mesmo. Tecnicamente, Os Últimos Jedi  é um filme irrepreensível, usando a vanguarda tecnológica em termos de efeitos especiais. Das batalhas espaciais ao cravejar de um lightsaber na armadura de stormtrooper, há novos conceitos em cima de velhas abordagens. Mas, infelizmente, e como já devidamente apontado, os efeitos não são tudo!

Quando às representações, muito há a dizer de positivo, especialmente para os veteranos. A falecida Carrie Fisher tem um papel mais abrangente, embora afastada durante algum tempo devido a um pequeno acontecimento com repercussões gravíssimas para o universo Star Wars. No seu derradeiro papel, há sem dúvida magia e determinação mas não a veremos novamente, e muito ficou por explorar e finalizar. Será mais um pesadelo para  J.J. Abrams resolver! Quanto a Mark Hamill, é evidente que não foi indiferente às novas nuances da sua personagem. Luke não era uma das figuras mais complexas da saga, e vê em Os Últimos Jedi uma oportunidade para se redimir dessa falta de profundidade, com desenvolvimentos que deixam a sua marca na percepção da audiência sobre uma personagem que, em tempos, salvou a galáxia de Darth Vader.

Para os recém chegados de O Despertar da Força há ainda muito por explorar, mesmo em tão incerto caminho. Rey (Daisy Ridley) não brilhou tanto como no filme anterior e Finn (John Boyega) pouco ou nada progrediu na sua complexa fuga do passado. Nem a Captain Phasma (Gwendoline Christie) se salva da irrelevância já característica. É Poe Dameron (Oscar Isaacs) que, de facto, tem oportunidade de se desenvolver do início ao fim, assim como Kylo Ren (Adam Driver), que na sua tempestuosidade e revolta quase engana o público. Das personagens realmente novas, nem sempre é claro discernir a sua verdadeira importância. Os cromos e figurinhas anteriores ao filme mal fariam antever que o seu papel poderia ser tão diminuto. Apenas Rose Tico (Kelly Marie Tran) acrescenta realmente algo de novo como ajudante de Finn, com muitas reticências quanto ao seu verdadeiro objectivo na escala da história. O mesmo sucede com a Vice-Almirante Holdo, que parece existir para brilhar numa única cena em particular sem que o seu potencial seja explorado num todo.

Falando da música John Williams não falha, e não seria uma parte da saga Skywalker sem ele. Irrepreensível deste o primeiro minuto a sua presença torna a música em personagem principal. Do tema do planeta casino Canto Bight, apelidado para muitos como Cantina 2.0, às alusões nostálgicas aos temas dos heróis da trilogia original presentes em The Spark, o compositor não abranda, não há notas fora de tom, e é mais uma obra sublime do melhor compositor de cinema de sempre.

Os Últimos Jedi é um filme que demorará a entrar no imaginário dos fãs de Star Wars, se entrar de todo nos menos flexíveis à mudança. Muitos colocarão a sua qualidade a um patamar muito aproximado ou abaixo dos piores filmes da saga, com ou sem razões para tal. Para a audiência casual cumpre a parcela de entretenimento necessária para uma tarde bem passada, mas para quem vive a saga, será um martírio não ver realizados muitas das expectativas e desenvolvimentos existentes noutras plataformas, como o Expanded Universe, agora Legends. Com as suas falhas e problemas é difícil compará-lo a outros episódios como A Ameaça Fantasma, ou O Ataque dos Clones, os piores títulos da saga. Há mérito na criatividade e originalidade, e em termos de escrita está milhas acima de qualquer um destes filmes, no entanto, não concretiza, abandona a meio, e desliga-se em demasia do seu antecessor descredibilizando a sua força propulsora em jeito de soft reboot.

É Star Wars, sem dúvidas, mas falta engrenagem, obstante de qualquer escolha narrativa menos agradável que possa irritar qualquer fã. Em perspectiva com outros títulos de ficção cientifica não é um mau filme e, certamente, está longe de representar um total fracasso, mas dependerá das resoluções do seu sucessor para ganhar animo, ou simplesmente naufragar nas problemáticas que criou e alimentou. Certamente ficará perto de todos os produtos oficiais da saga de qualquer fã coleccionador, mas será a ovelha negra durante muitos anos talvez ganhando relevância depois de respirar um pouco, e de se aproximar da audiência depois do segundo e terceiro visionamento. Até lá terá de viver no balanço entre o que foi, e o que poderia ter sido…

 5.5

Volto em breve com mais cinema…