A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Parte 2 – Do Movimento à Imobilidade

“Toda a terra é lavrada pelos projecteis explosivos e as crateras estão cheias de água e se não morreres pelos projecteis, poderás morrer afogado nos buracos. Carruagens destruídas e cavalos mortos são movidos para a berma da estrada, muitos soldados mortos jazem também nela. Soldados feridos que morreram na ambulância foram despejados e os seus olhos fixam-se em ti. Ás vezes um braço ou uma perna estão em falta. Toda a gente se apressa, corre, tenta escapar da morte quase certa na saraivada de balas inimigas. Hoje vi a verdadeira face da guerra.”

– Soldado Alemão Hans Otto Schetter

Dizem que a guerra nunca muda. É um facto adquirido, envolve morte, violência e quase sempre, move-se pelas mesmas motivações, mesmo que em eras diferentes: cobiça, honra, conquista ou até, vingança. Embora a Primeira Guerra Mundial não se afaste destas motivações diferiu pela sua escala, pelo avanço tecnológico e tácticas militares dos envolvidos. É uma guerra de armas químicas e de exércitos que não se movem, vivendo como ratos na imundice das trincheiras europeias. Nesta segunda parte deste especial sobre a Primeira Guerra Mundial, o Ideias e Opiniões foca-se no início do conflito, com as operações militares, as figuras e os grandes acontecimentos que fizeram estremecer todo o mundo…

Desde o início da guerra que os estrategas esperavam um conflito curto, reflectindo esse pensamento nos planos de operações, que prometiam invasões rápidas e eficientes. No entanto, tal não aconteceu e a guerra prolongou-se por quatro anos. O plano Schliffen é um sucesso na  primeira fase da guerra, com a Alemanha a tomar Liége, Bruxelas e Namur. A França não está adaptada à mentalidade da guerra moderna, lutando com cargas de cavalaria e de infantaria, sacrificando os seus soldados para as metralhadoras alemãs, seguindo uma espécie de código de combate que não vê honra no uso de engenhos modernos. A guerra e a honra oitocentista já não tinham espaço na Grande Guerra e a a França só se aperceberá disso quando o inimigo estiver perto de cercar a sua capital!

O general francês Joffre mostra-se incapaz de combater as movimentações rápidas, subestimando o exército alemão e lançando uma ofensiva na Lorena, em vez de adoptar uma táctica defensiva. A Batalha das Ardenas, travada nesse mesmo território acaba por ser um fracasso para o exército francês, que encontra um exercito alemão devidamente adaptado às condições complicadas do terreno. O Império Alemão, empenhado no seu plano de ataque e determinado em rodear e cercar os exércitos franceses e britânicos em Paris, continua a sua ofensiva. Em simultâneo, outra operação leva à batalha de Charleroi. Mais uma vez, o exército francês é obrigado a retirar. O fantasma da Guerra Franco-Prussiana começa a envolver a consciência francesa à medida que os alemães chegam a Marne, muito próximos de Paris. O plano Schliffen começa no entanto a fraquejar, pois algumas divisões inglesas e francesas escapam ao cerco do exército alemão.

Joeffre tenta reagrupar as suas forças para o grande embate, mobilizando inclusive os táxis da capital francesa, os lendários “Táxis de Marne”,  para transporte de tropas. A Primeira Batalha do Marne, a sul e a noroeste do rio com o mesmo nome, é um dos últimos redutos dos Aliados, sendo por isso imperativo que os alemães sejam finalmente vencidos. O exercito francês e o Corpo Expedicionário britânico travam uma batalha que dura mais de uma semana, entre dia 5 e 12 de Setembro de 1914. O exercito alemão sofre de uma grave falta de comunicação entre generais, devido à sua organização descentralizada. Cada general parece ter um plano próprio e muitas das ordens parecem escapar ao alto comando. Em Marne, este problema é catastrófico, pois os alemães dividem os seus exércitos em dois blocos, deixando uma frente vulnerável, o que permite ao Corpo Expedicionário britânico contra-atacar e dividir o exercito alemão em dois blocos. Este ultimo é vencido e retira-se, recuando vários quilómetros, optando por entrincheirar-se em posições estratégicas improvisadas.

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As frentes de guerra europeias

É neste momento que a guerra assume um ponto de viragem, que marca a mudança de todas as tácticas militares contemporâneas. A era das cargas de cavalaria e confronto directo culminava, dando lugar a um conflito marcado pela imobilidade, a “Guerra das Trincheiras”. A vitória Aliada impede a execução do Plano Schliffen e, por isso mesmo, os alemães incapazes de chegar a Paris são também incapazes de reforçar a frente oriental na batalha contra o Império Russo.

Os próximos meses de batalha na Frente Ocidental serão apelidados de “Corrida para o Mar”. Este termo representa, no entanto, um erro. Ambos os lados tentam flanquear o exército adversário de forma a conseguir mudar o rumo da guerra, isso implica uma movimentação que permita a um dos exércitos ganhar terreno. Essa movimentação é feita para norte culminando em território belga, perto do mar, com algumas batalhas que acabam apenas por trazer mais morte à guerra e sem que nenhum dos lados tenha uma vitória decisiva. Nenhum dos exércitos consegue flanquear o outro com sucesso, mas o rasto de destruição é assinalável. O resultado desta “corrida” é uma linha de trincheiras, que se estende por milhas e contribui para uma guerra imóvel.

A Frente Oriental era bem mais vasta e agrupava um número maior de reinos e nações. O Império Austro-Húngaro é digno de um estudo aprofundado, especialmente porque a sua performance na guerra é medíocre, ao ponto de acabar por ser apenas auxiliar do exército alemão já no fim do conflito. Para melhor perceber os problemas que este exército enfrentava, é bom referir que, as relações entre Viena e Budapeste não facilitavam reformas necessárias no terreno. O exército austro-húngaro usava tecnologia desactualizada e era uma grande mistura de etnias e povos, o que não facilitava a comunicação e obrigaria a que muitos oficiais tivessem conhecimento de uma meia dúzia de dialectos diferentes. A maioria dos comandantes eram alemães ou húngaros e lideravam croatas, checos, polacos, etc. À falta de coesão aliava-se ainda uma insistência exagerada no uso da cavalaria, o que já não se adequava a uma guerra moderna. Indo mais longe, muitas divisões tinham um desempenho diferente, consoante o inimigo que combatessem. As divisões croatas lutavam com grande afinco contra o exército italiano, devido a rivalidades directas. Já contra os russos não lutavam com o mesmo empenho. Coincidência ou não, a frente onde o exército austro-húngaro mais vingaria durante a guerra seria na fronteira italiana. As deserções em massa eram também frequentes e para isso, nada contribuíram as derrotas humilhantes no início do conflito.

Já o exército russo tem dois factores a seu favor e que tem um impacto incrível. O exército russo era o maior exército do mundo na época, com cerca de um 1.400.000 soldados, com possibilidade de, em plena força, chegar aos 5.000.000. Este factor é fundamental quando a Rússia está a mercê de três forças militares significativas. Juntando a isto está uma inovação tecnológica, que permitira um rápido reabastecimento e substituição de tropas através dos caminhos de ferro. Devidamente implementado, as linhas férreas são um pesadelos para os seus inimigos. A chegada de reforços é tão facilitada que é quase desmoralizante combater contra o exército russo. A solução encontrada por parte dos alemães e austro-húngaros é a sabotagem destas vias férreas, de forma a dificultar as movimentações ao inimigo.

No início da guerra, o exército russo empurra o exército austro-húngaro de volta para as suas fronteiras mas, não tem o mesmo sucesso com o exército alemão. O Império Alemão vê-se obrigado a reforçar a Frente Oriental, de forma a impedir que o seu aliado mais próximo, o Império Austro-Húngaro, seja completamente aniquilado pelos russos e pelos sérvios. A Batalha do Rio Vístula e a Batalha do Lodz travadas na Polónia, permitem ao exército alemão travar o avanço russo, sendo o inverno de 1914-1915 alvo de vários combates perto dos Montes Cárpatos entre forças russas e austro-húngaras.

Já a Sérvia, consegue também travar o avanço Austro-Húngaro, depois de pesadas derrotas, estagnando o avanço do império central através do conhecimento do terreno acidentado da região, com o auxilio de granadas e coordenação entre infantaria e artilharia. A “guerra das trincheiras” característica da Frente Ocidental, nunca se desenvolveu em pleno na Frente Oriental, especialmente devido à extensão do terreno, que não permitia grandes concentrações ou agrupamentos militares, da mesma forma que noutras partes do globo a guerra nunca se mostrou tão estacionária.

Em África, colónias lutam contra colónias e nem as portuguesas escapam a conflitos com tropas coloniais alemãs, que necessitam das colónias lusitanas para transporte de mantimentos e tropas contra colónias inglesas. Para o nosso país, a guerra nas colónias começa muito antes de qualquer declaração formal. Já na Ásia, o combate  é travado quando nas ilhas do Pacífico, o Japão, temendo a presença naval alemã, declara guerra ao império do Kaiser.

Em Novembro de 1914, o Império Otomano junta-se à guerra do lado da Tríplice Aliança, depois de várias movimentações no Mar Negro, que culminaram com um ataque ao porto russo de Odessa, na Ucrânia. Não é de todo claro, porque é que o Império Otomano se junta ao Império Alemão e ao Austro-Húngaro, mas parece evidente que muito deve à influência do Almirante alemão Souchon, que foi posto ao serviço do colosso turco e realizou uma série de manobras que escaparam em parte aos altos comandos otomanos. O Império Otomano tem também pesadas dividas para com as nações da Entente e, a sua precariedade política, apenas permitiu alguns meses em aparente neutralidade. No entanto, as consequências desta entrada na guerra vão ser devastadoras para o Império Otomano e para todos os impérios europeus!

Com a entrada do Império Otomano, o Império Russo tem agora um sério problema, uma nova frente de combate para Sul. Com os seus exércitos focados na frente de guerra europeia, a solução passava pelo recrutamento de forças voluntárias arménias, de forma a defender o Cáucaso das tentativas turcas em recuperar territórios retirados na Guerra Russo-Turca de 1877-1878. A ofensiva turca começa ainda em Dezembro, mas existe uma falha no seu planeamento! Os russos estão prestes a ser rodeados na cidade de Sarikamis, mas optam por retroceder para as montanhas da Anatólia. Esta retirada estratégia permite a entrada em cena de uma nova força: o Inverno. O exercito otomano é encorajado a avançar, mas muitos soldados morrem devido ao frio. Em retirada, é atacado pelas forças russas e arménias sofrendo pesadas baixas!

Se a fé na Humanidade parece ter desaparecido neste primeiros meses de guerra, são de louvar os acontecimentos que ocorrem na Frente Ocidental, no Natal e Ano Novo de 1914. As tropas aliadas e alemãs confraternizam, em alguns sectores, numa trégua não oficial que permite cânticos natalícios, troca de presentes e até jogos de futebol. Esta trégua causa alguma irritação nas mais altas patentes, pois parece assinalar uma incompreensão quanto ao verdadeiro objectivo da guerra. Estranho é pensar que, depois desta trégua os soldados voltaram a empunhar as suas armas matando-se mutuamente…

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A passagem para 1915 marca a continuação de uma guerra sem fim à vista. Mas é também um marco do avanço tecnológico e bélico dos anos que se seguiriam. O Império Alemão está na vanguarda, realizando na Frente Ocidental, os primeiros bombardeamentos. A Inglaterra usando zeppelins. E na Frente Oriental, as primeiras utilizações de armas químicas. Felizmente para os russos, os ataques de gás são pouco eficientes devido ao frio, que limita a propagação do mesmo.

No entanto, o exército alemão avança, infligindo pesadas derrotas ao Império Russo, na actual Polónia, somando vitórias contra um exército desmoralizado e desnorteado. Os soldados russos estão agora em escassez de material balístico e de armas de fogo, sendo obrigados a utilizar as armas dos camaradas feridos ou mortos. O Imperador Nicolau II assume as rédeas do exército russo tentando moralizar as tropas, mas as suas campanhas levam milhares de homens para a morte. A sua participação directa enfraquece a sua posição, à medida que, a responsabilidade dos jovens militares que não voltam para casa, pesa directamente nos seus ombros. A perda do território polaco tira também à Rússia muito do seu poder económico. O resultado é uma situação politica que começa a alimentar os ventos de uma das grandes revoluções do século XX…

Na Frente Ocidental, as ofensivas francesas para quebrar a linha alemã em Champagne são pouco eficientes, devido à falta de suporte de artilharia e ao Inverno, que torna os campos de batalha em horríveis terrenos lamacentos. Depois de 240 mil mortos, os franceses são obrigados a retirar-se. Já em Março, também os ingleses com a ajuda de destacamentos indianos, tentam surpreender o exército alemão na região de Artois. E embora apanhem o adversário desprevenido acabam por perder o momentum, numa batalha que demora três longos dias e causa 21.000 mortos. A Guerra da Trincheiras e a incapacidade de uma vitória decisiva continuam, mesmo quando os Aliados são obrigado a retirar, devido à utilização de gás na Frente Ocidental, na Segunda Batalha de Ypres. Felizmente para as suas tropas, o avançar do ano de 1915 vai trazer as suas próprias versões de gás e já em Setembro, avançarão significativamente na região de Artois, obrigando os alemães a recuar as suas linhas defensivas.

Na guerra química ambos os lados do conflito começam a igualar-se. Mas a nível aéreo, os Aliados levarão algum tempo a adaptar-se devido aos Fokker Eindecker, aviões alemães com metralhadoras sincronizadas, que permitiam disparar sem destruir as suas hélices. A supremacia alemã nos ares, seria temida durante toda a guerra, com lendas como Manfred von Richthofen, o Barão Vermelho, deixando a sua marca na história da aviação.

O Império Alemão começa também uma ofensiva marítima, considerando a costa inglesa como área de guerra. Navios mercantes e de passageiros não são poupados e as consequências são o ódio de países neutrais, que vêem os seus cidadãos nacionais mortos numa guerra que não lhes diz respeito. Os Estados Unidos da América são um dos lesados e a sua neutralidade começa a ser testada em Maio, quando o Navio Lusitania é afundado pelos alemães, resultando na morte de 128 cidadãos americanos. A pressão dos EUA levará a um cessar de operações alemãs na área em Setembro.

A Itália entra definitivamente na guerra, em directa oposição ao Império Austro-Húngaro, Bulgarien_mit_unsem Maio de 1915 aliada à Triple Entente. As escaramuças entre ambas as nações são também marcadas pela falta de eficiência, em ambos os lados, até ao final  do ano, deixando um rasto de destruição que se traduz em quase 400 mil mortos. Mas a Itália não é a única a dispensar a sua neutralidade!

A Bulgária manteve-se neutral desde o início da guerra, de forma a recuperar dos diversos conflitos regionais nos Balcãs, mas sua situação politica e reivindicações territoriais na região, que incluem territórios de quatro países diferentes, obriga a uma aliança de interesses com os impérios centrais da Tríplice Aliança. A Bulgária será um reforço importante, numa nova investida contra a Sérvia, mas também um auxiliar precioso na passagem de ajuda material entre o Império Alemão e o Império Otomano.

Com a entrada da Bulgária, a invasão à Servia é finalmente bem sucedida, obrigando o exército local a fugir para as montanhas da Albânia. Os exércitos alemães e austro-húngaros conquistam Belgrado e, a Bulgária conquista Kumanova. O país dos sérvios está agora temporariamente sobre a alçada da Triple Entente.

Com o Império Russo a tentar invadir pelo Cáucaso, o Império Otomano vira-se para um bode expiatório, de modo a justificar as suas derrotas na Batalha de Sarikamis. Esse bode expiatório é o povo arménio, alvo de uma limpeza étnica que ainda hoje deixa a actual Turquia em negação. Cerca de 1.5 milhões de arménios são deportados e mortos nos desertos da Síria. Pensadores e intelectuais são assassinados e famílias com mulheres e crianças, sujeitas a métodos de tortura horríveis e impossíveis de classificar pela sua gravidade. Quando a população arménia começa desaparecer a perseguição direcciona-se para os cristãos. Gregos e assírios são mortos da mesma forma hedionda e mesmo 100 anos depois, tudo é negado. E a história teima em repetir-se quando não é lembrada e os erros assumem uma natureza cíclica quando não são admitidos…

Os Aliados tentam ao longo da guerra conquistar a Península de Galípoli, devido à sua importância marítima para o aliado, o Império Russo e também, porque a conquista de Constantinopla, a capital do Império Otomano, significaria um passo decisivo contra os impérios centrais. A Batalha dos Dardanelos, começa em Abril de 1915 e continuará até Janeiro de 1916, sem que um dos lados saia realmente vencedor. No entanto, será um momento decisivo para o futuro da Turquia como nação independente!

Em África, os alemães batem em retirada depois da vitória Aliada na actual Namíbia e no Médio Oriente, enquanto que as ofensivas britânicas avançam para Bagdad. Depois de algumas vitórias sobre o exército otomano, os britânicos sofrem uma quebra e acabam por nunca chegar ao seu objectivo, sendo obrigados a retirar 100 milhas para Kut-al-Amara, onde reforçam a sua posição. O exército otomano acaba por montar cerco à localidade e já em 1916, os sitiados terão de se render.

No fim de 1915, não há vencedores. Mas há, sem qualquer dúvida, um vencido! Perde a humanidade e a raça humana, que mata o seu semelhante por interesses políticos e desejos imperais e nacionalistas. Mata inocentes, em forma de vingança e leva uma geração perdida para a morte certa. O assustador é que no meio de tanta morte, a Primeira Guerra Mundial é apenas a sétima guerra mais mortífera da história!

No próximo mês, a terceira parte deste especial analisará a vida das tropas nas trincheiras europeias e os avanços da guerra em 1916, que lentamente ditarão o seu fim…

Algumas referências úteis:

Gilbert, Martin (2014), The First World War, Nova Iorque, RosettaBooks

Keegan, John (2000) The First World War,  Nova Iorque, Vintage

Stallings, Laurence (1933), The First World War: A Photographic History, EUA, Simon & Schuster

Histórias inéditas e histórias oficiais da Primeira Guerra Mundial. (n.d.). Acedido a 27 Junho de 2016 em http://www.europeana1914-1918.eu/pt