A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Parte 4 – A Queda dos Impérios

“Isto é guerra contra todas as nações. Navios americanos foram afundados, tiradas vidas americanas, de uma forma que nos agitou profundamente, mas os navios e os cidadãos de outras nações neutrais e amigas foram afundados e cercados nas águas da mesma maneira.”  

Excerto do discurso de Woodrow Wilson no congresso americano pouco antes da declaração de guerra ao Império Alemão, 2 de Abril de 1917

Não somos doutrinários. A nossa teoria é o guia para a acção, não um dogma. Não alegamos que Marx sabia, ou que os marxistas sabem, o caminho para o socialismo até ao ultimo detalhe. Seria descabido alegar algo dessa natureza.”

Vladimir Lenin, Rabochy No. 6, 11 de Setembro de 1917

Em 1917, a guerra continua sem sinal de abrandamento, e a exaustão dos soldados e das populações mundiais fará despertar acontecimentos sem precedentes um pouco por todo o mundo! De uma intervenção que pode mudar o curso da guerra, a uma revolução que mudará o século XX, a Primeira Guerra persiste, moldando o nosso presente…

us-wilson-war-declO conflito continua a ter a Europa como centro mas afecta o mundo, e do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos da América parecem tentar evitar envolver-se directamente pelo lado das democracias europeias. No entanto, a situação está prestes a mudar! Os serviços secretos britânicos interceptam telegramas enviados pelo Império Alemão às suas embaixadas nos EUA e para o governo mexicano, que revelam um complô elaborado que permitiria ao México anexar várias parcelas de território norte-americano caso ajudassem numa possível invasão do território. Esta é a gota de água para os intervencionistas norte-americanos, que se vêm apoiados por figuras respeitáveis, como o antigo presidente Teddy Roosevelt. O slogan de campanha de Woodrow Wilson, que prometia ao povo americano um não-envolvimento na guerra, começa a fraquejar.

Para piorar a situação, o Império Alemão parece focado em provocar os EUA, afundando em Fevereiro e Março mais sete navios estadunidenses. Avisado pelos seus estrategas, o Kaiser Wilhelm II decide responder da pior forma possível: “Não quero saber”.

A 2 de Abril de 1917, Wilson apresenta-se no congresso americano num discurso histórico, onde fala sobre a necessidade de apoiar as democracias europeias na guerra em curso. Não terá de esperar mais que quatro dias para ter o apoio dos senadores e para formalizar a declaração de guerra ao Império Alemão. A Primeira Guerra Mundial será um ponto de viragem para a nação americana, que sairá dela afirmando-se como uma das potências mais influentes do mundo.

Infelizmente para os Aliados, a entrada dos EUA será tardia no campo de batalha, mas decisiva em algumas escaramuças a haver. Inicialmente com um exercito de pouco menos de 150 mil homens, as forças norte-americanas têm de incentivar a recruta de mais soldados de forma a fazer a diferença contra os alemães. A sua participação na guerra começa em Junho de 1917, na Frente Ocidental, e o Alto Comando Alemão começa a planear uma ofensiva que acabe com a guerra antes que os EUA cheguem com uma força considerável à Europa.

Infelizmente para o resto dos Aliados, um dos seus constituintes está prestes a entrar numa crise politica que vai ecoar até aos dias de hoje. O Império Russo está em colapso! Depois de várias derrotas militares com milhares de mortos, aliadas à falta de recursos e material balístico, os ventos da revolução apelam por uma alternativa ao czarismo. Na Revolução de Fevereiro (na realidade em Março no calendário gregoriano), o povo russo manifesta-se efusivamente contra a continuação do império na guerra. A propaganda das forças democráticas passa durante meses pelo denegrir da família real, com rumores de que a czarina estará envolvida com o místico Grigori Rasputin, amigo de confiança da família e uma das figuras mais misteriosas do séc. XX, enquanto o czar luta com os seus soldados na linha da frente. É apenas uma questão de dias até várias patentes do exercito se juntarem à revolução contra o czar.

O resultado da Revolução de Fevereiro é a abdicação de Nicolau II e a formação de um governo ww1v2democrático provisório constituído por liberais e socialistas. O governo provisório continua a apoiar a guerra e a enviar milhares de soldados para as linhas da frente. Os Aliados tentam reconhecer o novo governo de forma a tentar manter esta nova Rússia democrática na guerra, mas os frutos da nova revolução estão prestes a desencadear mais uma onda de eventos que moldarão, não só a Rússia, como toda a Europa.

Depois de 12 anos de exílio na Suiça, Vladimir Lenin chega à Rússia. Uma figura carismática e anti-guerra, tem desde cedo um papel importante na vida politica, sendo fundador do movimento bolchevique, uma parcela do Partido Operário Social-Democrata Russo, que desde o início do século se tinha desagregado dos mencheviques, uma facção mais moderada e mais aberta em relação à oposição e ideias dos liberais. O Império Alemão vê o seu regresso como uma oportunidade de afastar a Rússia da guerra, e por isso, facilita a viagem do revolucionário marxista, disponibilizando comboios na esperança que uma nova revolução leve a um armistício que permita aos alemães focarem-se na Frente Ocidental.

Lenin chega a Petrogrado, trazendo consigo uma resposta para o povo russo, e o desejo de implementar um governo que rejeite o capitalismo ocidental em prol de uma revolução proletária, com berço na Rússia, que se propague por toda a Europa. A sua chegada é desde logo marcada pelos discursos inflamados, e o seu carisma depressa chama para si um grupo de militantes e altas figuras que moldarão os destinos da Rússia, entre eles Josef Stalin e Leon Trótskie, partidários de longa data.

A Revolução de Outubro destaca-se pelo derrube do governo provisório por parte da facção bolchevique, que chegada ao poder, depressa cessa o seu envolvimento na guerra através de uma paz negociada com a Tríplice Aliança que culmina com o tratado de Brest-Litovsk já em 1918, documento este altamente desvantajoso para Rússia, que fica assim sem um quarto do seu território pré-guerra, perdendo a maior parte da sua indústria. O novo governo soviético e não-democrático tem, no entanto, um novo problema em mãos. Em primeiro lugar, a instabilidade política vai despoletar uma guerra civil que vai opor bolcheviques, os “vermelhos”, e os liberais, intitulados de “brancos”, que se vai estender até 1922. Os “brancos” serão ajudados e armados pelas democracias ocidentais. No fim do dia, o disciplinado Exército Vermelho levará a Rússia para uma nova e longa era, representando um novo fantasma para os regimes democráticos europeus: o comunismo. Esta é, no entanto, uma história para outro dia…

Com a Rússia fora da guerra, também o seu aliado militar, a Roménia, decide cessar a sua participação no conflito. Para balançar um pouco as forças militares a Grécia entra no conflito pelo lado dos Aliados depois de três anos de neutralidade. O rei pró-alemão Constantino abandona o país depois de uma série de revoltas de apoio à Triple Entente.

No inicio de 1917, a Frente Oriental vê um grande recuo da parte do exército alemão, que aplica uma táctica de terra queimada para dificultar o avanço dos Aliados. Em Abril, as tropas britânicas, com a ajuda do exércitos franceses e canadianos, executam mais uma ofensiva militar falhada, que mesmo assim parece abrir portas para mudar o curso da guerra. O novo comandante francês, Robert Nivelle, famoso pelo seu papel na Revolta dos Boxers e na Batalha de Verdun substitui o marechal Joseph Joffre, trazendo consigo uma nova mentalidade, criticada por muitos por levar milhares de soldados para a morte como se fossem dispensáveis. A ofensiva de Nivelle é de tal modo um fracasso que muitas tropas estão a beira do motim.

Mais uma vez, o comandante supremo do exército francês é substituído, em prol do General Henri Petain, que deve reorganizar a moral das tropas. A sua história de herói na Grande Guerra será ofuscada pelo seu papel na Segunda Guerra Mundial, pois será o presidente fantoche da França de Vichi durante a ocupação nazi. Os seus métodos para lidar com amotinados passam pela prisão em massa dos responsáveis, suspendendo as ofensivas militares e visitando as tropas no terreno de forma a prometer que haverá mudanças significativas no sistema.

Com o Verão de 1917, a Bélgica é palco de mais uma grande batalha. A Terceira Batalha de Ypres, ou Batalha de Passchendaele, prolonga-se de Julho a Novembro, com as tropas britânicas, australianas e neozelandesas a lutar entre avanços e recuos. As tropas alemãs começam a perceber que terão de ceder a sua presença na cidade, mas as grandes chuvas de Outono atrasam os Aliados. O campo de batalha é de tal forma irregular que muitos serão os soldados que se afogarão na lama, que agora enche as crateras provocadas pelos engenhos de artilharia. É apenas em Novembro que as forças canadianas capturam Passchendaele e garantem uma vitória estratégica para os Aliados.

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Mesmo com Londres a ser destruída por bombardeamentos aéreos alemães, os grandes avanços na guerra estão a ocorrer numa terra distante e exótica através de figuras inesperadas e vitórias cruciais. No Médio Oriente, os aliados reforçam a sua posição reconquistando Kut-al-Amara e seguindo uma série de conquistas que levarão à tomada de Bagdad, Ramadi e Tikrit. O Império Otomano começa a ficar numa situação precária, mas os seus problemas estão preste a aumentar…

Um tenente dos serviços secretos ingleses está prestes a contribuir para uma das revoltas mais importantes da Primeira Guerra Mundial, e que se tornará mais um prego no caixão de um império com mais de seis séculos de história. Arqueólogo e conhecedor dos caminhos-de-ferro otomanos, o inglês T. E. Lawrence, é destacado em 1916 como parte de uma força expedicionária com um objectivo muito claro: coordenar a Revolta Árabe, que ameaçava a soberania do sultão e líder supremo do Império Otomano, Mehmed V. Os britânicos esperavam conseguir controlar esta revolta, usando-a a favor de uma rápida vitória no território. Lawrence, mais tarde imortalizado como “Lawrence da Arábia”, tem especial simpatia pela cultura árabe e consegue unir rapidamente a si uma série de tribos beduínas e outro pequenos grupos de guerrilha, com a promessa inglesa de que será criado um território para uma nova pátria muçulmana, autónoma e independente da influência dos Aliados.

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Emir Faisal ao centro com T.E. Lawrence directamente à sua esquerda

Indicado por Lawrence como o melhor homem para liderar a Revolta Árabe, o Emir Faisal, futuro rei da Síria e do Iraque, vê no tenente inglês e no exército britânico uma oportunidade para reforçar os seus ideiais de Pan-arabismo, ou seja, de união entre as nações árabes que dispense conflitos entre xiitas e sunitas.  T. E. Lawrence acaba por ser crucial, participando em movimentos de guerrilha que destroem linhas de comboio importantes para o Império Otomano, e intercedendo como conselheiro de Faisal, liderando em diversas ocasiões, ofensivas em seu nome, que culminarão com a conquista de Aqaba, e já em 1918, com todo o esforço militar que levará à conquista de Bagdad.

Em Dezembro de 1917, depois de várias campanhas e batalhas na Judeia, Sinai e Palestina, os britânicos chegam a Jerusalém, conquistando a cidade e acabando com quatro séculos de ocupação otomana. O sonho idealizado da cristandade medieval chegava séculos depois da sua idealização, já sem a importância religiosa outrora atribuída por uma Europa, que embora moderna, prega guerra numa mentalidade retrógrada de honra e vingança.

O Império Otomano fraqueja a cada investida, e o Império Alemão está a cada vez mais isolado, numa guerra onde começa a lutar maioritariamente sozinha….

***

Em 1918, a guerra prepara o seu fim, mas isso não significa que haja um vencedor à vista. O Império Alemão começa a perceber que só poderá ganhar na Frente Ocidental se tomar medidas drásticas, e por isso, opta por ofensivas de larga escala, onde todas as suas últimas cartas são lançadas à mesa. Estas ofensivas, agressivas e altamente arriscadas, colocam tudo em jogo e são, em primeira instância, um sucesso de tal forma arrebatador que o império do Kaiser captura 3,100 km2 e avança 64 km no terreno, ou seja, recupera a maior parte do território perdido desde 1916. Os Aliados, apenas conseguem travar o avanço em Arras e Amiens, cortando assim o completo sucesso da ofensiva aos alemães. Até ao fim da guerra, muitas serão estas ofensivas arriscadas, mas começa a faltar um elemento essencial, que corta muitas das suas oportunidades de vitória. As tropas de reserva estão a esgotar-se, enquanto que do lado dos Aliados chegam à Europa tropas americanas, aos dez milhares por dia, que farão a diferença em batalhas estratégicas que se avizinham.

Para contrariar este avanço alemão, os Aliados não têm outra opção estratégica senão cessar as suas ofensivas e esperar pela oportunidade de um contra-ataque. Para coordenar os seus exércitos, os Aliados decidem destacar um Comandante Supremo para a Frente Ocidental de forma a que todos os exércitos estejam em sintonia no esforço de guerra.

O CEP (Corpo Expedicionário Português) terá a sua derradeira participação na guerra em Flandres, na Batalha de La Lys, que se desenrola entre 7 e 29 de Abril, durante a Ofensiva de Primavera dos alemães. As tropas portuguesas são aquelas que durante a guerra manterão os mesmos soldados mais tempo nas linhas da frente sem serem substituídos. As tropas portuguesas, consideravelmente menos preparadas em relação aos alemães, estão também em isolamento, com impossibilidade de serem substituídas pelos britânicos por falta de embarcações que façam o transporte do contingente inglês. O General Gomes da Costa, futuro presidente da Republica Portuguesa, lida com deserções e suicídios, mas também com o avanço de seis divisões alemãs quando só dispõe de 15 a 20 mil homens.

La Lys é um desastre militar para Portugal! A ofensiva alemã leva a que as tropas britânicas retirem para posições recuadas deixando os flancos das trincheiras portuguesas completamente vulneráveis. O número de vitimas portuguesas em La Lys é alvo de algumas discussões historiográficas quando comparadas com registos de época mas o número de baixas é suficiente para que o CEP se desfragmente. A ditadura de Sidónio Pais, que é implementada em 1917, tenta enviar mais dez mil homens para a frente de guerra mas os novos reforços Aliados tornam as tropas portuguesas obsoletas. Alguns soldados portugueses estarão, no entanto, englobados noutras forças militares em operações importantes até ao fim do conflito.ger-artill-dead

Com os alemães focados em chegar a Paris, o Corpo Expedicionário Americano começa a mostrar as suas capacidades, capturando a pequena vila de Cantigny em Somme, e conseguindo com a ajuda de tropas francesas travar o avanço alemão noutros sectores do Norte da França. Os alemães estão a ficar sem alternativas, e a sua última ofensiva em Marne, em Maio, é um completo fracasso! Os Aliados vêm agora uma oportunidade para contra-atacar, mas há ainda um problema que afectará os soldados de ambos os lados. Um surto de influenza ataca os exércitos da Frente Ocidental e o seu impacto faz-se sentir na força com menos soldados: os alemães.

Sendo a oportunidade que os Aliados necessitavam, franceses e americanos lançam um contra-ataque junto ao Marne, enquanto os britânicos proporcionam aos alemães um dos dias mais negros da sua historia militar na Primeira Guerra. Quatro dezenas e meia de tanques britânicos atacam posições alemãs a Este de Amiens. Seis divisões alemães são completamente aniquiladas obrigando a potência da Tríplice Aliança a uma defesa com as suas últimas reservas no terreno. As ofensivas aliadas contra um exército alemão em decadência na França e na Bélgica assustam o Alto Comando Alemão. O General Ludendorff sofre de um colapso nervoso na perspectiva de perder a guerra e começa a informar os seus superiores de que a guerra tem de terminar. O Kaiser Wilhelm II, depois de ponderação com os seus conselheiros, concorda que é necessário um armistício.

A Tríplice Aliança está em colapso! Em Setembro, a Bulgária torna-se no primeiro dos seus membros a assinar o armistício. Em Outubro segue-se o Império Otomano, depois da tomada de Damasco, que mexe com a consciência turca. O império Austro-húngaro assinará o armistício em Novembro, que vencido desde o início da guerra pela mão de exércitos balcânicos e pela Itália começa a desagregar-se, surgindo a Checoslováquia e a Jugoslávia.

A guerra continuará até Novembro na Frente Ocidental, uma vez que os Aliados se recusam a negociar com o Império Alemão enquanto o seu líder, o Kaiser, se mantiver em funções. O exército alemão e o seu império estão sozinhos na guerra e o resultado são motins e revoltas que culminarão na instauração de um governo provisório pelas mãos de Friedrich Ebert, que abrirá a mesa das negociações.

Depois de quatro anos de guerra, a Europa está em ruínas, e na última parte desta série exploraremos a natureza dos tratados e as figuras que marcaram o final deste conflito. Como é expectável algo falhará, não fosse esta a Primeira Guerra Mundial, o que sugere continuação, mas sugere também, que os lideres mundiais nada aprenderão com o sacrifício de 11 milhões de militares e 6 milhões de civis….

Algumas referências úteis:

Afonso, Aniceto & Gomes, Carlos (2010), Portugal e a Grande Guerra, Verso da História, Vila do Conde

Gilbert, Martin (2014), The First World War, Nova Iorque, RosettaBooks

Keegan, John (2000) The First World War,  Nova Iorque, Vintage

Marx, Karl & Friedrich Engels (2008), O Manifesto Comunista, Lisboa, Padrões Culturais

Stallings, Laurence (1933), The First World War: A Photographic History, EUA, Simon & Schuster