Tolkien, O Zénite da Fantasia

Foi a 2 de setembro de 1973. Uma data marcante para todos os amantes da literatura fantástica. A data em que um dos maiores génios da fantasia, JRR Tolkien, abandonou o mundo dos seres terrenos, para se juntar aos Valar. Ele lá está, observando quem por cá ficou, apreciando a sua obra e larga influência.

Mas primeiro vamos a factos: John Ronald Reuel Tolkien (que assinava as suas obras como JRR Tolkien), nasceu a 3 de janeiro de 1892, para Arthur Reuel Tolkien e Mabel Suffield, em Bloemfontein (África do Sul). Vive um começo atribulado de vida, com ambos os pais a morrerem cedo (Arthur, em 1896 e Mabel, em 1906), levando a que não só mudasse de residência (junto com o seu irmão mais novo, Hilary), por diversas vezes, acaba por ficar a cargo da Igreja Católica, em Birmingham.

Desde cedo, o jovem Tolkien demonstrou uma apetência para a escrita, tendo vencido várias bolsas, ainda antes de ingressar no mundo universitário, e inventando a sua primeira linguagem, Naffarin, em 1907, tornando-se bibliotecário logo em 1911, publicando o seu primeiro poema The Battle of the Eastern Field e criando o, agora, famoso TCBS (Tea Club and Barrovian Society, do qual era membro junto com Geoffrey Bache Smith, Christopher Wiseman, Robert Gilson e outros amigos), ingressando em Oxford, em Filologia, nesse mesmo ano.

Em Oxford, os conhecimentos de Tolkien floresceram, bem como os seus primeiros trabalhos, as suas amizades e relacionamento amoroso com aquela que viria a ser a sua companheira de vida, Edith Mary Bratt. Sucede que o drama, nas vidas daqueles que são os extraordinários membros da nossa espécie, nunca está demasiado longe, mesmo de um brilhante estudante de Oxford: em 1914 rebenta a I Guerra Mundial e, em 1916, Tolkien e todos os seus amigos do TCBS (que se reuniriam, pela última vez, em 1915), foram conscritos no exército inglês, e treinados para a batalha. Antes de serem lançados, Tolkien casou-se com Edith. Viajam, de seguida, para as trincheiras, em direção àquela que viria a ser considerada a mais mortífera batalha de todos os tempos: a batalha de Somme. Todos os amigos de Tolkien, pertencentes ao TCBS, com exceção de Wiseman, morrem no decorrer da Guerra. Tolkien, doente com febre das trincheiras, ainda em 1916, enquanto continua a trabalhar nos seus textos, regressa para Inglaterra, onde fica, até ao final da Guerra, com o seu primeiro filho a nascer em 1917.

Tolkien acaba por conseguir trabalho, em 1918, em Oxford, sobre o Oxford English Dictionary e, mais tarde, em 1920, ingressa na Universidade de Leeds. Começa, assim, uma carreira na academia, pontuada pela publicação de vários trabalhos de extrema importância para a literatura inglesa, em geral, e para o género fantástico, em particular. Em 1930, seguindo todas as histórias e poemas, que havia começado a escrever para o mythos que constituía a Terra-Média, Tolkien escreve a primeira frase d’ ”O Hobbit”:

 

“In a hole in the ground there lived a hobbit (…)“

 

HobbitA publicação d’ “O Hobbit” sucede em 1937, depois de vários trabalhos associados, que o levaram a este ponto, com as valiosas críticas de CS Lewis (o autor de “As Crónicas de Nárnia”), que, desde 1926, se havia tornado um amigo próximo. O sucesso desta publicação foi tal, que Tolkien foi incentivado a continuar a escrever, pelo que surge a semente de “O Senhor dos Anéis”, com a “Irmandade do Anel” a ser publicada em julho de 1954 e “As Duas Torres”, em novembro do mesmo ano. “O Regresso do Rei” seguiria, em outubro de 1955, fechando a trilogia, mas lançando as ideias para os seus trabalhos finais, que nunca viria a terminar: o desenvolvimento de todo o universo fantástico de Arda, a terra mitológica onde todos os acontecimentos por ele escritos, e associados às obras referenciadas, se passam.

Reforma-se em 1959, depois de diversos anos como docente universitário, diversas obras científicas, livros e, até, línguas criadas, trabalhando incessantemente sobre Arda, e publicando diversas obras, tanto relacionadas com as suas atividades como docente de Inglês e Galês, como com a literatura e a fantasia, falecendo a 2 de setembro de 1973, sem terminar a sua obra.

Para nós, que nascemos/vivemos numa época de (relativa) paz, será, talvez, difícil imaginar o impacto que a barbárie causou sobre JRR Tolkien, e a sua forma de ver a vida, porém, tal encontra-se expresso nas suas obras. É possível observar as diversas dicotomias entre as espécies (humanos, anões, elfos, ents, orcs, hobbits, entre outros), como metáforas para os problemas nacionalistas e raciais que se viviam, na Europa, no pré-Guerra, até à sua morte, em particular, no que diz respeito às batalhas com os alemães. Vale a pena lembrar que as experiências de Tolkien na batalha de Somme (com a subsequente perda de grande parte do seu círculo social) e o advento da 2ª Guerra (que também levou a que os seus próprios filhos participassem em diversas batalhas pela sobrevivência da Grã-Bretanha face ao III Reich), moldaram as suas opiniões. O medo, a angústia da perda, a tristeza, a saudade e a morte, eram emoções não muito longe de si, de um ser humano tão talentoso, quanto sensível, que temia a destruição, ao ponto de cunhar um termo antagónico com a catástrofe: chamou-lhe a eucatástrofe. Para Tolkien, havia um confronto civilizacional, uma disputa entre o novo e o velho, a natureza e a tecnologia (veja a cena de batalha contra Saruman, em Isengard, e a destruição desta pelos Ents) da qual apenas um bem maior poderia salvar: o triunfo da luz sobre as trevas, do bem contra o mal, do amor sobre o ódio. As escolhas realizadas, capazes de levarem a um mundo melhor, tal qual Sam (um dos hobbits), o afirma.

Mas as influências culturais não foram acasos axiológicos e emocionais, apenas, sobre Tolkien. De facto, o mais interessante ao escrever sobre este autor, é a influência que as suas criações tiveram no contexto cultural da segunda metade do século XX e início do século XXI. Uma época de paz e prosperidade, muito frágeis, que se espalhou num mundo a tentar recuperar das feridas da destruição em massa, dos silvos das balas e do genocídio. O conceito Cristão da batalha entre o Bem e o Mal, sempre presente nos trabalhos de Tolkien, assumiu, finalmente, uma componente literária que, à época, apenas tinha paralelo nos contos de CS Lewis, mas que abriu a porta à escrita das mais famosas séries fantásticas da atualidade: Harry Potter, A Song of Ice and Fire (os livros que servem de mote a Game of Thrones) e muitos, muitos outros.

lord_of_the_ringsSimilarmente, a adaptação de O Senhor dos Anéis ao Grande Ecrã (entre 2001 e 2003, por Peter Jackson), revolucionou a Sétima Arte. Tolkien, um crítico da adaptação dos seus livros ao cinema, teve, 30 anos após a sua morte, o lançamento do filme mais titulado e dos mais lucrativos da história: O Regresso do Rei.

Com este artigo, o Ideias e Opiniões pretende informar os seus leitores sobre um dos mais extraordinários escritores dos últimos 200 anos, no aniversário da sua morte (2 de setembro), porém, não podemos deixar de referenciar que muito mais há a conhecer sobre Tolkien (por exemplo, o nome Tolkien é de origem germânica, e, portanto, a sua pronunciação ao estilo inglês é, profundamente, errada). Assim, caso o leitor tenha curiosidade, poderá consultar os mais variados documentos e dados sobre JRR Tolkien ou adquirir os livros (quer em inglês, quer em português), em qualquer livraria, perto de si.

Assim nos despedimos, na certeza de que, graças a Tolkien, a nossa cultura é, hoje, incomparavelmente mais rica.